Fundado por estudantes da Ufes em 2008, o bloco cresceu com o movimento cultural do Centro e hoje atrai milhares de pessoas Vida Flor e Ana Carolina Brandão Para além do desfile de escolas de samba, o carnaval de Vitória é, em sua essência, o samba tocado e cantado nas ruas, manifestado pelo povo capixaba e movimentado pelos blocos. O carnaval da cidade tem seu marco no Corso Carnavalesco dos anos de 1920 e, depois nos longos e elegantes desfiles no centro de Vitória e no Sambão do Povo. Porém, não é possível definir o carnaval de Vitória sem considerar as celebrações nas ruas da capital, o forte sentimento de identidade e pertencimento que os blocos de rua proporcionam, e que de certa forma, unem todos os grupos sociais. Entre tantos blocos, novos e tradicionais, que percorrem as ruas principais do centro da cidade, as repórteres da Revista Primeira Mão conta a história do que agrega multidões: o Regional da Nair, um bloco que nasceu de um encontro de amigos e hoje é visto como um símbolo do carnaval de Vitória. “Filho do Centro de Vitória, o Regional da Nair e toda a sua potência vem da alegria do samba e do compartilhamento de sensações”, afirma Vitor Lopes, jornalista e um dos fundadores do bloco. Antes de se tornar propriamente um bloco de rua, o Regional da Nair era um bloco de casa, um encontro de amigos no apartamento de Nair Rúbia Baptista, no Parque Moscoso, Centro de Vitória. O bloco foi fundado em 2008, em uma reunião desses jovens amigos, que escolheram a música para mantê-los unidos. Durante a entrevista, Lopes relembra os primeiros encontros do grupo, tardes animadas com muita música e harmonia. Na época, Vitor e outros fundadores do bloco eram recém-formados pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Ainda imersos na vivência universitária, buscavam algo que unisse estudantes jovens e que desse a eles um sentimento de pertencimento. Ele conta que naquele tempo não havia programas na cidade para jovens, como há hoje em dia, então o Regional surgiu também com o objetivo de acolher e entreter essa parcela da população. No início, o bloco não era nem um pouco profissional, o grupo fundador não era composto por músicos formados, e sim por comunicadores, que sabiam um pouco de cada instrumento, e tinham o mesmo interesse no fazer musical. Além de Lopes, participaram dos primeiros encontros André Félix, que hoje é diretor artístico do bloco, Rafael Paes, professor da Ufes, William Sossai, Henrique Alves, e claro, Nair Rúbia. Todos eles eram amigos que estudaram juntos. “Amigo chama amigo” Amigo chama amigo. Foi assim que Vitor descreveu o processo de crescimento do bloco. O Regional nasceu de um passatempo, uma fuga da rotina para aqueles que já haviam iniciado a vida no mercado de trabalho. E para que o Regional acontecesse, eles precisavam de mais pessoas que tocassem instrumentos. Dessa forma, começaram a surgir os convites para amigos de amigos. “Teve gente que tocava flauta, acordeon”, cita Lopes em tom divertido. Eles não se importavam qual instrumento seria tocado, se o conjunto estivesse em harmonia e sintonia, era sinal de que estava dando certo. Para que mais pessoas soubessem do bloco, os recém-formados em comunicação tiveram a ideia de chamar o público por meio de e-mails. Em meados de 2009 e 2010, o e-mail ainda era o principal meio de comunicação, especialmente entre os jovens universitários. Eles escreviam e-mails engraçados com trocadilhos e piadas, convidando para a próxima roda de samba. “A gente mandava e-mail para os amigos, que mandavam para outros. Era bem curioso, porque as pessoas também ficavam esperando receber”, comenta Vitor. Conforme o tempo foi passando, o Regional foi deixando de pertencer a um grupo intimista, fazendo com que a casa de Rúbia fosse pequena demais para a turma de mais de 30 pessoas. Assim, para abrigar todos que se interessavam pelo bloco, os fundadores decidiram ir para a rua. Em 2011, a primeira roda de samba na rua partiu da famosa Rua Sete, no Centro da capital. Os amigos tinham uma caixa de som presa em uma bicicleta, um microfone e o objetivo de fazer um bloco andando a pé, como descreve Vitor Lopes. A invenção durou pouco, já que nos primeiros minutos a ideia foi ralo abaixo. “Deu errado, então a gente subiu a Rua Sete cantando, alguém tinha uma percussão e a gente subiu cantando e batendo tambor. Sem violão. Sem nada”, relembra Lopes. Apesar de o primeiro bloco ser relembrado quase como desastroso, este chegou a reunir mais de 200 pessoas, um número que não cabia nas previsões do grupo. A partir desse momento, os encontros passaram a acontecer em bares, que forneciam espaço suficiente para a multidão. O Regional passou por bairros como Jardim da Penha e Jucutuquara até se firmar no Centro de Vitória, no Bar do Zilda. “Naquela época, percebendo esse movimento cultural, nós vimos que precisávamos cada vez mais vivenciar a cidade. Por isso, a maioria das nossas apresentações naquela época eram gratuitas, em espaços públicos e de acesso direto”, lembra Vitor Lopes. Com o passar dos anos, o Regional foi se consolidando e se tornando conhecido entre os capixabas, até que o grupo começou a ser chamado para tocar em eventos e festivais. Em conversa com André Felix, ele afirmou que esse ponto foi crucial para a profissionalização do bloco. Ele conta que o bloco investiu na retomada do carnaval de rua do Centro de Vitória e tem atraído um público diverso, com pessoas de todas as raças, gêneros e classes sociais. “Isso tudo tornou o Regional da Nair um bloco popular e, com o aumento do carnaval de blocos de rua nas capitais do sudeste, o Regional virou um símbolo de resistência, alegria e de representatividade de Vitória”, destaca. No processo de amigo chama amigo descrito por Vitor Lopes, o Regional ganhou as ruas e o coração da população. Os convites atravessavam as bolhas sociais. A única característica comum entre todos era o
Artes e palavras que saem das mãos de um professor
Brenda da Fonseca Em uma sociedade em constante busca por inclusão e igualdade, indivíduos inspiradores emergem, rompendo barreiras e empoderando comunidades inteiras. Rafael Monteiro da Silva, um carismático professor de 40 anos, é um desses indivíduos que dedicam sua vida a dar voz à comunidade surda através de duas poderosas formas de expressão: a interpretação da Língua Brasileira de Sinais (Libras), a ilustração e obras literárias. Nascido na cidade de Vitória, Espírito Santo, Rafael descobriu sua paixão pela Libras desde criança. Sempre teve gosto pela arte e até alguns desenhos publicados no extinto jornal infantil A Gazetinha. Quando cresceu, Rafael teve uma banda sem nome e nem logomarca, então se arriscou e fez uma identidade visual pela primeira vez. Deu certo e o gosto só aumentou pela modalidade. O professor já fez arte em diversas áreas, desde bandas até empresas. Fascinado pela linguagem visual e pela comunicação não verbal, ele se formou em pedagogia, fez pós-graduação em libras, segunda graduação em português e inglês e terminou o mestrado recentemente. Especializado como intérprete de Libras, se tornou um defensor dos direitos e da inclusão das pessoas surdas. Em 2017, começou sua jornada acadêmica como professor bilíngue de surdos pela Secretaria de Educação (Sedu) , preocupado em como andava a educação de crianças surdas, ele foi pessoalmente descobrir e investigar esse processo de interação direta com o aluno surdo. A partir daí, ganhou gosto por lecionar iniciando mais tarde a migração de área.. Além de sua atuação intensa como professor na Ufes e na UFRJ, ele tenta sempre continuar desenhando, mesmo com a carga horária em sala de aula bem puxada. Rafael sempre tem alguns serviços ligados a essa área e recentemente está se aventurando para escrever e ilustrar um livro autoral voltado para crianças surdas. Rafael encontrou uma forma única de conectar-se com a comunidade surda. Utilizando sua habilidade para a ilustração, ele dá vida às obras literárias tornando-as acessíveis aos surdos por meio de imagens expressivas e vibrantes. Seu objetivo é proporcionar uma experiência de leitura mais rica e significativa, abrindo portas para a imaginação e o conhecimento para aqueles que não têm acesso pleno à linguagem escrita. Ao concluir o mestrado em novembro de 2022, o produto para a sociedade que ele desenvolveu foi a tradução e adaptação de seis livros para o modelo de VideoBook. O intérprete construiu o site, um canal do YouTube e uma página do Instagram com o nome de @leialibros, e esse tem sido seu atual xodó. Através de seu trabalho, Rafael Monteiro tem ganhado reconhecimento tanto na comunidade surda quanto no campo da educação inclusiva. Seu trabalho sempre enfatiza a importância da inclusão e do acesso à educação para todos. Ele acredita que a ilustração e a Libras podem não apenas quebrar barreiras de comunicação, mas também estimular a criatividade e a empatia em todos os indivíduos. Seus trabalhos geram uma experiência inclusiva e enriquecedora para a comunidade surda. Para Rafael, seu trabalho vai além das palavras e dos traços. É uma forma de promover a igualdade e a inclusão em uma sociedade que muitas vezes negligencia as necessidades das pessoas surdas. Seu compromisso com a causa e seu espírito inovador têm feito dele um expoente no campo da educação inclusiva, e um exemplo de como a paixão pode mudar vidas. Com sua dedicação e talento, o ilustrador e professor está construindo um futuro mais inclusivo e acolhedor para a comunidade surda. Ele prova que a linguagem transcende as palavras e que a arte pode abrir portas para uma sociedade mais empática e igualitária. Sua jornada é uma inspiração para todos POST DOS LIVROS NESSES LINKS Tirinhas do SUPERMAO Tirinhas do SUPERMAO
O polêmico mergulhão
Obra estimada em R$77 milhões e prevista para durar três anos, enfrenta resistência da comunidade e questionamentos sobre diálogo e impactos ambientais. Filipe Turiri e Maria Luiza Favalessa Reprodução: PMV A construção do mergulhão no cruzamento das avenidas Dante Michelini e Norte-Sul, na orla de Jardim Camburi, em Vitória, está longe de ser unanimidade. Anunciada pela Prefeitura como a grande solução para os congestionamentos na região, a intervenção, prevista para começar ainda neste ano, tem gerado polêmica entre moradores e frequentadores do bairro. Com orçamento estimado em R$77 milhões e prazo de conclusão de três anos, o projeto prevê a construção de um túnel que eliminará semáforos e dará prioridade ao fluxo de veículos. A obra também prevê a instalação de uma passarela elevada para pedestres e ciclistas, equipada com rampas, escadas e mirantes com vista para a praia, uma substituição das atuais faixas de pedestres no cruzamento. Moradores reclamam de falta de diálogo Enquanto o poder público justifica o projeto, a comunidade se mobiliza, muitos afirmam que não foram devidamente consultados, e que as audiências públicas realizadas não atenderam às expectativas de debate. Um protesto realizado em julho no local denunciou a falta de escuta, alertando para os impactos ambientais e urbanísticos. O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) entrou em cena e realizou uma reunião com representantes da comunidade, da Prefeitura e de associações de bairro, cobrando esclarecimentos sobre os impactos da obra e verificando se o projeto respeita o Plano Diretor Urbano e as legislações ambientais. Foram feitas tentativas de contato com a Semob para obter posicionamento, mas não obtivemos resposta até o fechamento desta matéria.De acordo com uma matéria publicada no portal da Prefeitura de Vitória, o projeto do Mergulhão de Camburi foi novamente apresentado à comunidade em reuniões realizadas em março de 2025, sendo essa a terceira apresentação do empreendimento à população local, com amplo tempo destinado a questionamentos, os quais foram respondidos pelos secretários de Obras e Transportes, com apoio técnico de arquitetos da Prefeitura Obra avança em meio à polêmica Apesar da controvérsia, a Prefeitura mantém o cronograma. O canteiro de obras deve ser instalado até o fim do ano, com intervenções de drenagem e terraplanagem previstas para os primeiros meses de 2026. A entrega está estimada para o início de 2027. Enquanto isso, a mobilização dos moradores permanece forte, com promessas de novos protestos e debates.
Hiperconexão ameaça o bem-estar no trabalho
Além dos baixos salários, queda na credibilidade da profissão e redução de oportunidades no mercado de trabalho, profissionais da informação enfrentam a “sobrecarga informacional” Cansaço mental, fadiga física, irritabilidade, alterações de humor, distúrbios de memória e dificuldade de concentração são alguns dos sintomas frequentemente observados em quem lida diariamente com volumes massivos de informação. Uma pesquisa do psiquiatra e pesquisador Anthony Feinstein da Universidade de Toronto, no Canadá, sobre a saúde de jornalistas que cobrem eventos climáticos apresentou resultados preliminares alarmantes durante um seminário da Oxford Climate Journalism Network no Reuters Institute, programa de apoio à comunidade global de repórteres e editores de diversas áreas e plataformas. Segundo o estudo, quase metade dos jornalistas que participaram da pesquisa relatou sintomas moderados a graves de ansiedade (48%) e depressão (42%). Os sintomas podem ser sentidos em qualquer indivíduo que tenha contato direto com grandes volumes de informação. Isso inclui uma vasta gama de profissionais da informação, como jornalistas, que processam e disseminam notícias; pesquisadores, que analisam dados em busca de novos conhecimentos; analistas de dados, que interpretam informações para embasar decisões estratégicas; cientistas da computação, que desenvolvem sistemas para gerenciar e extrair valor de dados complexos; e até mesmo estudantes e educadores, que estão constantemente expostos a um fluxo contínuo de conteúdo. A sobrecarga informacional surge a partir do contato constante entre o profissional e grandes quantidades de informações, geralmente compartilhadas instantaneamente por intermédio das redes sociais. Tal fenômeno começa a afetar o bem estar no trabalho quando prejudica a capacidade de criação, julgamento crítico e inovação. Estudo revela impactos na saúde mental de jornalistas que cobrem eventos climáticos 3% relatam que a saúde mental não é levada a sério em suas redações; 55% não têm acesso a recursos para apoiar sua saúde mental e física; 16% das pessoas fizeram uma pausa no trabalho por motivos de saúde mental; As respostas emocionais ao trabalho com mudanças climáticas (em ordem de gravidade e frequência) são: desespero, raiva, culpa, nojo e vergonha. Estes são sintomas de dano moral. Equilíbrio em tempos instáveis Professora da Ufes Priscilla de Oliveira Martins, doutora em Psicologia e especialista em pesquisas e consultorias voltadas para o mundo do trabalho, afirma que além dos sintomas comuns à sobrecarga de informação, os indivíduos podem apresentar distúrbios de sono e insatisfação com o trabalho. “Muitas vezes o trabalho que era considerado algo prazeroso e que trazia sentimentos positivos, passa a trazer sentimentos negativos, tais como ansiedade e irritação.” destaca. A especialista ressalta que além da redução do volume de trabalho, as pessoas que lidam com dificuldades pelo excesso informativo devem estabelecer estratégias de manejo e prevenção para proteção da saúde mental. Dentre ações descritas pela psicóloga, estabelecer limites entre o tempo de trabalho e o tempo fora é essencial. O avanço tecnológico e informacional proporcionado pela internet garante conectividade constante aos profissionais, que consequentemente se veem presos no papel de “vigilantes da informação” 24 horas por dia. Neste sentido, a disponibilidade constante permite que o tempo de trabalho invada os demais tempos da pessoa como o tempo em família, o de lazer e o destinado ao autocuidado. “A prática do autocuidado é fundamental para o bem-estar integral, abrangendo a saúde mental e física. É essencial engajar-se em atividades físicas, dedicar tempo a momentos de lazer e fortalecer os laços sociais com amigos e familiares, pois essas ações promovem uma vida mais equilibrada e plena. Priorizar o autocuidado é investir em qualidade de vida.” pondera Priscilla. Um grande obstáculo destacado pela especialista diz respeito à dinâmica das plataformas digitais, que propagam de maneira instantânea milhares de informações sobre os mais variados assuntos, e a pressão por velocidade característica tanto deste espaço virtual quanto pela valorização do “furo jornalístico”. Há uma certa pressão para que além da rapidez, as notícias sejam entregues de forma correta e bem apurada. Tais condições favorecem a exaustão mental e física do profissional de comunicação para além dos sintomas já citados. Priscila destaca que, dentro do ambiente de trabalho, o papel da gestão das empresas é de extrema relevância. Piorar a condição mental ou favorecer o desenvolvimento adequado do trabalho do profissional sem comprometer a saúde mental ou física depende da ação das organizações. “Para que a comunicação interna seja eficaz e ética, é crucial ter uma cultura e liderança que priorizem a ética na divulgação da informação e a qualidade dos dados. Isso significa valorizar a análise cuidadosa de toda informação antes de sua disseminação. Além disso, um ambiente de trabalho colaborativo entre os profissionais é fundamental para um bom clima organizacional, servindo como uma salvaguarda para essas exigências.” recomenda. Vozes da informação Yasmin Ribeiro Gatto, professora, mestre e doutora em Comunicação, compartilha que os profissionais da informação são diariamente pressionados pela velocidade das notícias, especialmente em redações jornalísticas cujo tempo de produção é quase sempre curto. Quem lida com informação é forçado a acompanhar as notícias em tempo real e a estar conectado a todo momento caso haja necessidade de cobertura demandada pelo veículo de comunicação. Essa pressão vem tanto de dentro do ambiente de trabalho quanto da sociedade, que exige uma velocidade noticiosa dos fatos entendendo o papel informativo do jornalismo sob os acontecimentos do cotidiano. A professora destaca que o não acompanhamento do ritmo de produção de notícias, é garantia de exclusão do mercado de trabalho. “Se você trabalha com informação precisa estar bem informado”, afirma. No entanto, enquanto antes da internet bastava ter conhecimento de determinados assuntos para realização da cobertura, hoje nota-se que o profissional da informação deve ser multitarefa e multiplataforma. Isso significa que deve saber falar de variados assuntos em diferentes configurações adequando-se ao veículo, rede ou público pretendido. “Hoje, você precisa saber de uma infinidade de acontecimentos que, segundo estudos, nem um ser humano está preparado para ter esse nível de acúmulo de informação. E isso impacta de forma muito negativa na saúde mental. Primeiro porque é uma exaustão no trabalho e segundo porque se você não consegue acompanhar, você se sente insuficiente. Então, você está sempre sendo
O mundo está acabando ou é só impressão minha?
Preocupação e angústia generalizada em relação às emergências climáticas, conhecida como ecoansiedade ou ansiedade climática, têm impactado a saúde mental de indivíduos em todo o planeta. O agravamento acelerado das mudanças climáticas em comparação ao ritmo lento de adoção de um desenvolvimento sustentável tem produzido impactos significativos na saúde mental dos indivíduos. Sem saber se o próximo dia será mais quente ou mais frio ou sequer a gravidade dos eventos climáticos futuros, as pessoas vivem em medo constante e uma persistente sensação de fim do mundo.De acordo com o artigo médico publicado pela Harvard Health Publishing, plataforma de notícias da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, “a ansiedade em relação ao clima geralmente é acompanhada por sentimentos de pesar, raiva, culpa e vergonha que, por sua vez, podem afetar o humor, o comportamento e o pensamento.”A ansiedade climática é sentida como um desamparo, desesperança e tristeza diante emergência dos eventos climáticos, mas se manifesta de maneira mais tangível na análise de seus sintomas. Além de impactos no humor e no comportamento, a ecoansiedade pode causar perda na capacidade de se concentrar, comer, dormir, estudar e desfrutar dos relacionamentos, explica a Smithsonian Magazine, uma publicação do Museu Smithsonian (instituição educacional e de pesquisa fundada e administrada pelo governo dos Estados Unidos). O quadro ansioso também pode impactar diretamente o desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes.Em reportagem sobre mudança climática publicada pela National Geographic Brasil em julho de 2022 é evidenciado que as pessoas mais jovens são as mais afetadas pelo problema. O dado é reforçado também por uma pesquisa realizada pela revista científica The Lancet. “Mais da metade dos 10 mil jovens entrevistados concordou com a afirmação: ‘a humanidade está condenada’ e disseram que as preocupações com o estado do planeta estavam interferindo no sono, na capacidade de estudar, brincar e se divertir”, destaca a reportagem. Dados comprovam que o mundo está em alerta e os seres humanos também Segundo o MapBiomas, rede colaborativa de cocriadores formada por Organizações Não Governamentais (ONGs), universidades e empresas de tecnologia, em 2024, a Amazônia atingiu recorde de incêndios florestais, apresentando aproximadamente 15,6 milhões de hectares queimados, um valor correspondente a 52% de toda área nacional afetada pelo fogo no ano. Estudos da Organização Meteorológica Mundial (OMM) indicam que o derretimento acelerado das geleiras – que entre 2022 e 2024 registrou o maior degelo observado em três anos – pode gerar consequências para todo o mundo, como o aumento de inundações e elevação do nível do mar. No dia 01 de agosto do ano passado a humanidade havia esgotado todos os recursos do planeta disponíveis para o 2024, começando a consumir recursos de 2025, segundo a organização internacional Global Footprint Network. De acordo com o programa de observação europeu Copernicus, o aumento de 1,6°C da temperatura média global em relação aos níveis pré-industriais desafiam o que é considerado limite seguro para o planeta (2°C). O que é a ecoansiedade? O psicólogo e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) Walter Louzada sinaliza que a diferença entre ansiedade climática e uma preocupação ambiental comum está nos impactos diretos à saúde dos indivíduos. Enquanto a ecoansiedade pode causar angústia e medo, acompanhado de demais sintomas característicos de um transtorno ansioso, a preocupação ambiental impulsiona atitudes mais ativas quanto as dificuldades ambientais seja através de pequenos hábitos ecológicos e sustentáveis até o envolvimento em atos mais profundos e de longo alcance, sem gerar a sintomatologia de ansiedade. “A ansiedade climática é mais prevalente entre os jovens devido à sua educação ambiental e maior acesso à informação, contrastando com gerações anteriores. Essa preocupação é agravada pela falta de estrutura de apoio à saúde mental na sociedade atual, deixando-os despreparados para lidar com os desafios ecológicos do século”, analisa o psicólogo.Segundo o especialista, a mídia, as redes sociais e demais veículos de informações trabalham diretamente no favorecimento ou diminuição dos transtornos desenvolvidos em relação aos eventos climáticos. Isso porque a exposição contínua a notícias sobre problemas ambientais pode prejudicar a saúde para além da ansiedade, comprometendo o sistema imunológico do indivíduo. Walter explica que “as células do nosso sistema imunológico possuem uma notável quantidade de receptores neurológicos, ficando atrás apenas das células do sistema nervoso. Isso implica que o que causa ansiedade, depressão e condições similares também afeta diretamente nosso sistema imunológico. Consequentemente, uma forte exposição midiática a conteúdos que nos geram ansiedade ou depressão impactará negativamente nossas células de defesa. Ou seja, nossa imunidade pode ficar comprometida por um período significativo, mesmo após a exposição a esses fatores estressantes ter cessado.” Para lidar com a ansiedade climática de forma saudável o especialista destaca algumas estratégias importantes: Em suma, enquanto a ecoansiedade se manifesta como um sério desafio para a saúde mental dos jovens, influenciada por uma sociedade por vezes despreparada e pela sobrecarga de informações alarmistas, a chave para lidar com essa preocupação reside no equilíbrio. A mídia e as redes sociais, com seu imenso poder de disseminação, podem tanto exacerbar o medo quanto pavimentar o caminho para a esperança. Ao invés de apenas focar nas catástrofes, temos a oportunidade de destacar as soluções, as ações positivas e as iniciativas que, embora muitas vezes desconhecidas, já estão transformando nosso mundo. Essa abordagem proativa e consciente pode nos guiar para um futuro onde a preocupação ambiental se converte em engajamento construtivo, e não em desespero. Quem sente na pele Victoria Lyrio, cientista social e mestranda em Comunicação e Territorialidades da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), conta que “aflição” é o sentimento mais recorrente ao consumir notícias e informações sobre as mudanças climáticas. Para ela, o passar dos anos é marcado pelos impactos significativos da crise ambiental sentidos diretamente. “Saber que estamos em uma situação de aquecimento que estava prevista para muitos anos à frente me faz refletir sobre como chegamos a esse ponto e me leva a imaginar um futuro que até então era um cenário distópico, mas que agora está de fato se aproximando de nós.” pondera.Ao ser questionada sobre cenários de esperança e práticas
Palestina sob invasão
O papel de Israel no genocídio palestino e as origens da guerra atual Artigo de Opinião Repudiar as ações de Israel contra a Palestina é repudiar um genocídio em massa e um apartheid que segrega um povo em função de um conflito político e territorial. Este conflito é movido pelo imperialismo e caracterizado pela promoção de uma limpeza étnica e um genocídio em massa que dura 79 anos. A história dessa disputa, contada por diversos estudos sobre o tema, começa muito antes da criação do Estado de Israel. Com a expansão do colonialismo e a derrota do Império Turco-Otomano pelos britânicos, ocorreu a divisão dos territórios turcos. Em 1923, surgiu o protetorado britânico na Palestina, exercendo controle sobre a área que hoje é Israel. A lógica de destituição do território dos povos originários, por parte do protetorado britânico, baseou-se em uma visão eugenista de inferioridade dos povos que ali viviam. A concepção de Israel, que muitos fantasiam ser uma “não-nação” com raízes bíblicas, na verdade, tem sua origem no berço do sionismo e foi moldada pela arbitrariedade inglesa, muito antes da Segunda Guerra Mundial. Esse processo deflagrou uma série de revoltas entre os países árabes, já que a criação de Israel representava a contraposição a toda e qualquer autonomia dos povos originários, promovendo bombardeios a escolas e hospitais, além de uma série de abusos contra o povo palestino. Israel limita o acesso a recursos básicos, segregando e humilhando inocentes na Palestina. Este conflito não é travado em pé de igualdade: os palestinos não possuem igual capacidade de resposta política e militar para enfrentar a guerra colonial israelense. O número de palestinos afetados é vastamente superior, como evidenciado em 2018, quando 31.558 palestinos foram mortos ou feridos, em contraste com 130 israelenses. Em outubro de 2023, Israel lançou mais uma ofensiva brutal contra Gaza, após ataques do Hamas. A resposta israelense foi desproporcional, resultando na morte de mais de 36 mil palestinos (a maioria civis, incluindo mais de 15 mil crianças), segundo dados apresentados pelo Ministério da Saúde de Gaza. Enquanto isso, Israel, financiado pelos Estados Unidos, continua a impor um bloqueio desumano a Gaza, limitando o acesso a água, energia elétrica, medicamentos e alimentos. A Corte Internacional de Justiça (CIJ) decidiu, em janeiro de 2024, que Israel está cometendo atos que configuram genocídio, e ordenou medidas para evitar mais mortes de civis. No entanto, o governo de Benjamin Netanyahu ignorou a decisão e seguiu com os ataques, inclusive em Rafah, onde mais de 1,4 milhão de palestinos deslocados estavam refugiados. As ações de Israel na madrugada de 13 de junho, que incluíram ataques de grande proporção contra o Irã, basearam-se na alegação de que o Irã estaria próximo de desenvolver bombas atômicas e desrespeitando o acordo nuclear. Essa justificativa, contudo, é comparável à utilizada pelos EUA para invadir o Iraque em 2003, que se provou infundada. Essa mesma afirmação sobre o enriquecimento de urânio pelo Irã e a iminência de produzir bombas atômicas tem sido repetida por Netanyahu há 30 anos. O Irã, como um dos principais opositores de Israel no Oriente Médio, apoia grupos de resistência como o Hamas e o Hezbollah, mas isso não justifica a violência israelense. A retórica de Israel e dos EUA tenta pintar o Irã como um “Estado terrorista”, mas esconde o fato de que Israel é o maior violador de resoluções da ONU, com mais de 100 condenações por violações de direitos humanos. Além disso, Israel detém 90 ogivas nucleares, segundo a Federação dos Cientistas Americanos e o Instituto Internacional de Pesquisa para Paz de Estocolmo. Embora cristãos fundamentalistas comercializem falsas perspectivas a respeito das críticas erguidas contra Israel, estas não dizem respeito a uma ótica antissemita. O termo faz referência a uma ideologia que defende a opressão de povos de origem semita, como judeus, libaneses, palestinos, sírios, jordanianos e muitos outros. Já a teoria sionista liga nacionalidade, hereditariedade e religião, sendo uma ideologia colonialista que busca firmar-se num território por meio da dominação e da necropolítica. A história e as evidências atuais demonstram um padrão de violações sistemáticas, perpetuadas por uma ideologia colonialista e racista. É crucial posicionar-se contra essa política de expansão infundada e contra uma concepção de Israel que se mantém viva apenas em fantasias bíblicas de uma “não-nação”. Originada no berço do sionismo, Israel se utiliza dos horrores do Holocausto em seu benefício e como forma de chantagem, enquanto oculta a colaboração ativa do movimento sionista com o inimigo mais feroz que os judeus já tiveram. Isso não pode ser ignorado.
A difícil integração de negros e filhos de imigrantes em esportes na Europa
Casos de racismo e xenofobia contra descendentes de africanos ainda são frequentes; o passado imperialista da Europa pode ajudar a entender as origens do preconceito. Quando a seleção portuguesa venceu a Itália pela Eurocopa sub-17, em maio deste ano, e seguiu para se tornar a campeã do torneio, um episódio transformou as redes sociais num campo de batalha. Logo após a vitória contra a azzurra, uma foto da seleção portuguesa onde havia apenas jogadores negros foi publicada no instagram da seleção. Isso gerou revolta por parte dos portugueses na internet, alegando que a seleção “parecia africana”. Os comentários ofensivos foram ocultados do perfil para evitar uma maior retaliação aos atletas. Mas, diferentemente do que parte dos internautas alegaram, nenhum dos jogadores que entraram em campo naquela semifinal nasceu em um país da África. Aquele que, de fato, nasceu em solo africano foi Eusébio, considerado um dos melhores jogadores da história e responsável por colocar Portugal no radar europeu na década de 1960. Esse problema não é novidade em solo europeu. Na década de 1990, a seleção francesa de futebol viveu uma espécie de Guerra Fria contra a Frente Nacional (antigo Reagrupamento Nacional), o partido de extrema-direita do país. A geração black-blanc-beur (ou negra-branca-árabe, em francês) se destacava no futebol europeu da época por sua alta miscigenação e pelo salto de qualidade nos resultados. Isso desagradou a extrema-direita francesa, que muito se orgulhava das seleções nacionais do passado. De acordo com Maria Cristina Dadalto, professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), especialista em estudos de imigração, este problema surge a partir do sentimento de “colonizador” que ainda persiste na população européia. “É uma população mobilizada pela raiva e pelo ressentimento de quem é entre aspas ‘menor do que você’ ter conseguido atingir um sucesso que o meu filhinho que é branquinho de olhos azuis, loiro e lindo não consegue”, explicou. Em 1996, um dia antes do confronto entre França e República Tcheca pela semifinal da Eurocopa, veio à público a fonte do ódio à seleção miscigenada: Jean Marie Le Pen, então líder da Frente Nacional, afirmou seu descontentamento com a seleção “artificial” que representava a França. No dia do jogo, 0 a 0 no tempo regulamentar e 6 a 5 para os tchecos nas cobranças de pênalti. França eliminada. Apesar da constante perseguição aos jogadores por suas ascendências, foi neste mesmo ambiente miscigenado que cada coração francês vibrou com a conquista da primeira taça da Copa do Mundo. Vinte anos depois, o segundo título, mas com a mesma onda racista e xenófoba. Ao longo dos anos, muitos movimentos tentam descredibilizar os atletas, criando a narrativa de que os mesmos seriam naturalizados, ou seja, jogariam pelo país por acordos políticos e não pelo pertencimento àquela cultura. Outra vez, a narrativa não encontra seus fundamentos, uma vez que a grande maioria dos que defendem o azul francês nasceram dentro do país. A questão francesa joga luz sobre outro problema em solo europeu: a crise imigratória. São milhares de civis que chegam pelas fronteiras e tentam a sorte na Europa. Boa parte chega alí fugindo da guerra em seu país, especialmente os da África, que vivencia até hoje as consequências do imperialismo e da divisão arbitrária dos territórios no continente. A Europa agora também encara o desdobrar do que fez há mais de um século. O PASSADO Dos 54 países da África, 52 encararam o avanço da Europa sobre as terras que os pertenciam. Falamos aqui do início do século XX e da repartição arbitrária destes territórios para Bélgica, Reino Unido, Portugal etc. “A Europa colonizou o mundo. A América Latina, a Central… as Américas e também os países africanos. E qual é a visão de um colonizador? A visão do colonizador é que você é submisso a ele o tempo todo. Ele é superior a você”, comenta Dadalto Esta visão de superioridade foi o que balizou todo o domínio Europeu sobre o continente. A partir das divisões forçadas das terras, estava o problema da divisão étnica, onde um mesmo grupo poderia estar fragmentado entre dois países e/ou junto de outra etnia que possuía atritos. A base da configuração geopolítica africana permanece a mesma há pelo menos meio século. Mas durante esse tempo, inúmeras guerras tiraram o sono dos civis no continente, potencializados pelas interferências europeias. Em material publicado pelo Podcast Copa Além da Copa, as questões históricas e sociais que reverberam no território africano são explicadas: a Bélgica estabeleceu no Congo uma colônia privada, o Império Britânico (atual Reino Unido) na região da África Ocidental até a Oriental e Portugal nos litorais, iniciando uma era de opressão dos cidadãos da África e exploração de seus recursos naturais. Ainda hoje, países da região lutam para reaver peças de arte que foram roubadas durante a colonização. Os longos conflitos étnicos levaram à criação de grupos armados e consolidaram uma série de guerras no território. A insegurança na região motivou e ainda motiva dezenas de famílias a fugirem de suas casas e tentar a sorte em outros países. Em muitos casos, o racismo deste período é mascarado em tons recreativos, sob o pretexto de ser apenas uma piada. É o que acontece com o personagem Tintim, criado pelo quadrinista belga Hergé em 1929, por exemplo. No contexto da colonização violenta do Congo, surge em 1931 o quadrinho “Tintim na África”. Nesta história em quadrinhos (HQ), Hergé retrata os congoleses como estúpidos e preguiçosos. Os traços grosseiros das personagens muito se assemelham à prática do blackface, maquiagem feita por atores e atrizes brancas para interpretar uma personagem negra. Ainda nesta HQ, Tintim ensina aos moradores sobre a “pátria belga”, como uma catequese aos indígenas. Questionado em 1975 sobre o contexto racista em sua obra, Hergé se defendeu dizendo que baseou os congoleses no que “ouvia falar” e apoiado pelo “espírito paternalista que prevalecia na época”. ATUALIDADE Em 2024, outro caso de agressão racista ocorreu, desta vez envolvendo a considerada melhor jogadora de vôlei da Itália: Paola Egonu. Campeã olímpica em
Ameaça de retrocesso no cuidado com a saúde de jovens trans
Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) contraria consensos internacionais e gera polêmica e insegurança O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, no dia 16 de abril, uma resolução no Diário Oficial da União que revisa alguns critérios éticos e técnicos para o atendimento de pessoas trans. A Resolução nº 2.427/2025 tem como principal mudança a proibição do bloqueio hormonal para crianças e adolescentes com incongruência ou disforia de gênero. Além de vetar o início do tratamento com hormônios antes dos 18 anos, a resolução também restringe o acesso a procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero para menores de 21 anos. A medida revoga os direitos anteriormente estabelecidos e assegurados pela Resolução nº 2.265/2019, desconsiderando evidências científicas, protocolos internacionais e o sofrimento vivenciado por jovens trans no país, colocando-os em situação de vulnerabilidade. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IbratBRAT) deram entrada a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.806, no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a suspensão imediata da Resolução nº 2.427/2025 do CFM e o restabelecimento da Resolução nº 2.265/2019, assegurando o acesso a terapias hormonais e procedimentos afirmativos respaldados por evidências científicas. A Antra e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo (ABGLT), também encaminharam ofício à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), denunciando a nova Resolução do CFM, alegando que representa um grave retrocesso nos direitos humanos e no acesso à saúde da população trans e travesti no Brasil. “A decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) desconsidera as diretrizes da comunidade científica e os compromissos assumidos com os direitos humanos, tanto em âmbito nacional quanto internacional. A medida representa uma afronta à dignidade de crianças e adolescentes trans e configura uma séria violação ao direito à saúde integral e livre de discriminação”, afirmou Bruna Benevides, presidenta da Antra à imprensa. O que diz o CFM O relator da resolução e conselheiro federal do CFM pelo Rio de Janeiro Raphael Câmara, alegou que a medida foi motivada por mais de 120 estudos que indicam aumento de casos de arrependimento pós-transição. Câmara, que é ex-secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde no governo Bolsonaro, também disse aos jornais que: “Uma hipótese é que esteja havendo um sobrediagnóstico. Mais crianças e adolescentes estão sendo diagnosticadas com disforia de gênero e, com isso, sendo levadas a tratamentos. Muitas dessas crianças poderiam, no futuro, não ser trans, mas simplesmente gays e lésbicas”. Segundo especialistas, essa decisão pode reforçar preconceitos, deslegitimar a existência e resistência de uma identidade trans e ferir o direito constitucional dessas pessoas. O CFM alega que sua resolução se baseia em atos semelhantes adotados em países como Suécia e Reino Unido, que restringem o uso de bloqueadores puberais, no entanto ignora outras diretrizes internacionais especializadas. Entre essas estão as da Associação Profissional Mundial para a Saúde Transgênero (WPATH) e as da Sociedade Endócrina Internacional, que recomendam bloqueadores e hormonioterapia em adolescentes, em contextos clínicos controlados e individualizados. O que diz a comunidade trans Para as instituições que representam as pessoas trans, o CFM adota uma postura retrógrada e preconceituosa, que pode promover a desinformação, induzindo a acreditar que crianças e adolescentes trans estariam realizando procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero, o que não ocorre. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) alerta para a circulação de desinformação a respeito de supostas cirurgias em crianças trans “à força” ou “cedo demais”, o que não tem fundamento, pois esses procedimentos não são oferecidos a esse grupo etário. Antecipar cenários catastróficos para crianças trans, baseados em suposições e preconceitos, mascara o verdadeiro problema: a negação do direito de existir para além da perspectiva cisnormativa (refere-se a identidade de gênero corresponde ao sexo biológio). Crianças trans, que nem sequer têm acesso a cirurgias, frequentemente são submetidas a diagnósticos que buscam ajustá-las às expectativas familiares e sociais, em vez de reconhecer e acolher suas experiências, defende a Antra. As instituições também criticam o CFM por não propor alternativas para garantir a saúde mental e física de adolescentes trans que vivenciam sofrimento por disforia de gênero, se a terapia hormonal estiver vetada. “Com a publicação da resolução, as pessoas trans continuarão tendo acesso integral a serviços do SUS”, minimizou o CFM sobre esse ponto. Além de recorrer a diversas instâncias contra a decisão do CFM a Antra cobra do Estado brasileiro políticas públicas eficazes voltadas à população trans, com ênfase especial para a imediata implementação do Programa de Atenção Especializada à Saúde da População Trans, desenvolvido com a proposta de substituir o Processo Transexualizador por uma política mais abrangente, atualizada e alinhada a diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). O programa foi anunciado pelo Ministério da Saúde em fevereiro, mas ainda não tem previsão para ser oficialmente implementado. Hormonização é um salto em qualidade de vida A secretária executiva lotada na Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidade da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Viviana de Paula Corrêa, disse que a hormonização foi crucial para garantir a diminuição de sua disforia de gênero e proporcionar um salto de qualidade de vida, o que influenciou diretamente em sua saúde mental. Iniciou o tratamento antes da recomposição do ambulatório de diversidade de gênero do Hucam, em 2016, homologado pelo Ministério da Saúde apenas em 2018. “A meu ver, quanto antes a pessoa trans tiver a possibilidade de acesso aos bloqueadores hormonais, (hormonização cruzada) e a hormonização em si, mais um recurso no enfrentamento de uma sociedade transfóbica ela terá. Entendo que a resolução do CFM retrocedeu gravemente ao dificultar o acesso à saúde para esta população, não apenas em relação à hormonização, mas também aos procedimentos de afirmação de gênero. Além de desrespeitar a nossa autonomia em relação aos nossos corpos”, acrescentou Viviana. O que dizem os especialistas Especialistas demonstram preocupação com os impactos da resolução do CFM na saúde mental de jovens trans. Estudos publicados pela Jama Network Open (revista da American Medical Association) em 2022, abrangendo um universo de 11.000 crianças trans de 9 a
Esperança em Vila Esperança
Reportagem Fotográfica A comunidade de Vila Esperança, em Vila Velha, nasceu em 2016 como um projeto para garantia de moradia digna e combate aos altos custos dos alugueis de imóveis. Desde então, os moradores constroem casas, planejam ruas, criam vínculos comunitários e trabalham para que o local seja um espaço não somente de moradia, mas também de prosperidade social. Houve diversas tentativas de expulsão da população de Vila Esperança, movidas por escancarados interesses industriais e imobiliários. A Prefeitura de Vila Velha ainda apresenta resistência para reconhecer a região como bairro oficial. Vila Esperança conta apenas com o que a comunidade foi capaz de construir. Sem saneamento básico, rede elétrica e transporte público a permanência no território é somente um dos diversos obstáculos a serem superados. Mesmo diante de um cenário nebuloso, 800 famílias persistem na luta pelos seus lares. A comunidade se mantém unida na esperança de um futuro digno. Segundo Adriana Paranhos (também conhecida como Baiana), coordenadora do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e Presidente da Ocupação Vila Esperança: “As crianças de hoje são o futuro da cidade, do amanhã. A gente continua batendo na mesma tecla, o direito de moradia e o direito também de viver com dignidade que não estão tendo. Nós não temos água, não temos acesso a energia. Tudo o que nós temos aqui hoje é improvisado, feito pelas nossas próprias mãos.” Fotografia: Eduarda Fernandes
Infância digital: quando a brincadeira é ganhar milhares de views
Em um cenário onde um terço dos usuários da internet são crianças, o carisma infantil vira matéria-prima para um novo mercado, movido a publicidade, contratos e a busca incessante por engajamento. As novas gerações parecem já nascer programadas para a vida digital, imersas em um universo onde as telas são extensões de suas vivências. Não é exagero afirmar que parte significativa da infância atual ocorre de forma online, um cenário comprovado por dados de 2023 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef): um em cada três usuários da internet é criança. Em paralelo, a criação de conteúdo em redes sociais viralizou e tem produzido um volume exponencial de influenciadores, profissão predominantemente adulta mas que hoje já alcança massivamente o público infantil. Em alguns casos, essa produção de conteúdo ocorre de forma orgânica e natural, como uma genuína brincadeira que reflete os desejos e a individualidade da criança, tendo como principal propósito promover o entretenimento e a conexão entre pequenos de todo o país – e, por vezes, do mundo. “O brincar é muito importante para o aprendizado da criança, se tornando uma ação capaz de reproduzir a sua vivência diante da brincadeira, possibilitando o processo de sua aprendizagem, facilitando o aperfeiçoamento da criatividade, constituindo desta forma a assimilação entre o brincar e a aprendizagem.” destaca Lacir Mendonça Trombini em sua monografia para conclusão de sua especialização em Educação: Métodos e Técnicas de Ensino na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, 2012. Os influenciadores mirins cativaram a internet e desde então realizam publicidades, cumprem contratos e alcançam números elevados de seguidores a partir da expressão do carisma e espontaneidade característica do ser criança. Embora a digitalização na infância ofereça inegáveis benefícios educativos e comunicacionais, como ferramenta de auxílio na aprendizagem, no desenvolvimento da fala e socialização da criança – segundo uma pesquisa realizada por estudantes de Psicologia da Universidade de Gurupi em Tocantins – é preciso ter cautela para a exposição online dos pequenos. Diretrizes do ECA Se para adultos, o mundo virtual já apresenta perigos latentes ao bem-estar e saúde mental do indivíduo, quando incluímos a vulnerabilidade do público infantil é necessário que a busca pela segurança digital seja constante. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) detém diretrizes essenciais para entender os direitos próprios da infância. Aplicados ao contexto virtual, é possível perceber como a expressão artística online se transformou numa categoria laboral. Conforme artigos acadêmicos, pesquisas científicas e projetos de lei como o PL 2.259/2022 que busca estabelecer regras para o exercício da atividade de influenciador digital mirim, é evidente que essa nova modalidade necessita de urgente regulamentação. O Art. 149 do ECA exige autorização judicial para trabalho artístico, mas ainda surgem divergências sobre a inclusão dos influenciadores mirins neste grupo. A discussão ainda está tramitando por Tribunais do Trabalho, Câmara de Vereadores e demais instâncias que permitirão encaixar a classe de influenciadores mirins nos contextos trabalhistas para fins artísticos, demandando um alvará para futuras crianças e adolescentes que desejem praticar a profissão. O documento “O trabalho infantil artístico nas redes sociais: Como a legislação atual pode proteger crianças e adolescentes no ambiente digital?” elaborado pelo programa Criança e Consumo, iniciativa criada pelo Instituto Alana (organização da sociedade civil, sem fins lucrativos), analisa as atividades dos criadores de conteúdo mirins no que tange a legislação brasileira e propõe medidas para a proteção do público infantil. A análise destaca que no caso dos influenciadores mirins apresenta-se um fator estimulante-compulsório na criação de mídia para a internet. Isso ocorre porque a criança influenciadora deve ser ativa nas redes, interagindo frequentemente com seus seguidores para garantir engajamento, além de ser submetida a gravação de peças de publicidade para empresas anunciantes. Por isso, além de manifestação artística, a atuação da infância na criação de conteúdo requer uma disciplina de trabalho, o que pode gerar sobrecarga de atividades causando danos ao bem-estar da criança. Neste sentido, o documento reforça que “verificar a existência e promover a realização dos alvarás judiciais são responsabilidades das empresas que mantêm as redes sociais e plataformas digitais, bem como das empresas anunciantes, que auferem lucros com o trabalho dos influenciadores digitais mirins, na medida em que eles atraem novos públicos para as plataformas e as tornam mais atrativas às empresas anunciantes, que, por sua vez, se beneficiam pela divulgação de seus produtos e serviços.” Pais e responsáveis legais das crianças que atuam no ramo artístico infantil devem procurar a regularização da atividade infantil, visando o bem-estar e os direitos dos menores. No entanto, a ocorrência de casos notáveis de exposição online de crianças e adolescentes, inclusive durante a gestação, pode suscitar um debate significativamente mais extenso sobre os responsáveis pela criação desse conteúdo. Lua chegou ao Youtube antes de nascer O maior exemplo de crianças que começaram a ser expostas nas redes antes de nascer talvez seja o de Lua, filha da influenciadora Viih Tube e do seu marido Eliezer, que direcionaram a criação de conteúdo para crianças e famílias através de seus perfis profissionais e de um perfil criado para a pequena. A conta da pequena de dois anos acumula 2,6 milhões de seguidores e impulsionou a criação da marca TurmaTube, que comercializa produtos infantis e de cuidados maternos. A empresa também assina conteúdos digitais no Youtube e demais plataformas de música e vídeos para imersão do público em um universo lúdico, conectando a marca ao dia a dia das famílias. Com a chegada de Ravi, segundo filho do casal (hoje com seis meses), mais uma conta pré-nascimento também foi criada e acumula um total de 513 mil seguidores. Reprodução: alô alô Bahia / Reprodução: Turmatube Muitas vezes o que ocorre nesta relação administrador de carreira versus pai/mãe, é um natural conflito de interesses. Ao mesmo tempo que desejam proteger suas crianças e procurar o bem estar, também precisam investir tempo e recursos significativos, muitas vezes à custa da própria vida pessoal e profissional, na gestão dessa carreira. Alguns casos de gerenciamento de carreira por familiares repercutiram em âmbito nacional e internacional, como no