Fundado por estudantes da Ufes em 2008, o bloco cresceu com o movimento cultural do Centro e hoje atrai milhares de pessoas
Vida Flor e Ana Carolina Brandão
Para além do desfile de escolas de samba, o carnaval de Vitória é, em sua essência, o samba tocado e cantado nas ruas, manifestado pelo povo capixaba e movimentado pelos blocos. O carnaval da cidade tem seu marco no Corso Carnavalesco dos anos de 1920 e, depois nos longos e elegantes desfiles no centro de Vitória e no Sambão do Povo.
Porém, não é possível definir o carnaval de Vitória sem considerar as celebrações nas ruas da capital, o forte sentimento de identidade e pertencimento que os blocos de rua proporcionam, e que de certa forma, unem todos os grupos sociais. Entre tantos blocos, novos e tradicionais, que percorrem as ruas principais do centro da cidade, as repórteres da Revista Primeira Mão conta a história do que agrega multidões: o Regional da Nair, um bloco que nasceu de um encontro de amigos e hoje é visto como um símbolo do carnaval de Vitória.
“Filho do Centro de Vitória, o Regional da Nair e toda a sua potência vem da alegria do samba e do compartilhamento de sensações”, afirma Vitor Lopes, jornalista e um dos fundadores do bloco. Antes de se tornar propriamente um bloco de rua, o Regional da Nair era um bloco de casa, um encontro de amigos no apartamento de Nair Rúbia Baptista, no Parque Moscoso, Centro de Vitória. O bloco foi fundado em 2008, em uma reunião desses jovens amigos, que escolheram a música para mantê-los unidos.
Durante a entrevista, Lopes relembra os primeiros encontros do grupo, tardes animadas com muita música e harmonia. Na época, Vitor e outros fundadores do bloco eram recém-formados pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Ainda imersos na vivência universitária, buscavam algo que unisse estudantes jovens e que desse a eles um sentimento de pertencimento. Ele conta que naquele tempo não havia programas na cidade para jovens, como há hoje em dia, então o Regional surgiu também com o objetivo de acolher e entreter essa parcela da população.
No início, o bloco não era nem um pouco profissional, o grupo fundador não era composto por músicos formados, e sim por comunicadores, que sabiam um pouco de cada instrumento, e tinham o mesmo interesse no fazer musical. Além de Lopes, participaram dos primeiros encontros André Félix, que hoje é diretor artístico do bloco, Rafael Paes, professor da Ufes, William Sossai, Henrique Alves, e claro, Nair Rúbia. Todos eles eram amigos que estudaram juntos.
“Amigo chama amigo”
Amigo chama amigo. Foi assim que Vitor descreveu o processo de crescimento do bloco. O Regional nasceu de um passatempo, uma fuga da rotina para aqueles que já haviam iniciado a vida no mercado de trabalho. E para que o Regional acontecesse, eles precisavam de mais pessoas que tocassem instrumentos. Dessa forma, começaram a surgir os convites para amigos de amigos. “Teve gente que tocava flauta, acordeon”, cita Lopes em tom divertido. Eles não se importavam qual instrumento seria tocado, se o conjunto estivesse em harmonia e sintonia, era sinal de que estava dando certo.
Para que mais pessoas soubessem do bloco, os recém-formados em comunicação tiveram a ideia de chamar o público por meio de e-mails. Em meados de 2009 e 2010, o e-mail ainda era o principal meio de comunicação, especialmente entre os jovens universitários. Eles escreviam e-mails engraçados com trocadilhos e piadas, convidando para a próxima roda de samba. “A gente mandava e-mail para os amigos, que mandavam para outros. Era bem curioso, porque as pessoas também ficavam esperando receber”, comenta Vitor.
Conforme o tempo foi passando, o Regional foi deixando de pertencer a um grupo intimista, fazendo com que a casa de Rúbia fosse pequena demais para a turma de mais de 30 pessoas. Assim, para abrigar todos que se interessavam pelo bloco, os fundadores decidiram ir para a rua.
Em 2011, a primeira roda de samba na rua partiu da famosa Rua Sete, no Centro da capital. Os amigos tinham uma caixa de som presa em uma bicicleta, um microfone e o objetivo de fazer um bloco andando a pé, como descreve Vitor Lopes. A invenção durou pouco, já que nos primeiros minutos a ideia foi ralo abaixo. “Deu errado, então a gente subiu a Rua Sete cantando, alguém tinha uma percussão e a gente subiu cantando e batendo tambor. Sem violão. Sem nada”, relembra Lopes.
Apesar de o primeiro bloco ser relembrado quase como desastroso, este chegou a reunir mais de 200 pessoas, um número que não cabia nas previsões do grupo. A partir desse momento, os encontros passaram a acontecer em bares, que forneciam espaço suficiente para a multidão. O Regional passou por bairros como Jardim da Penha e Jucutuquara até se firmar no Centro de Vitória, no Bar do Zilda. “Naquela época, percebendo esse movimento cultural, nós vimos que precisávamos cada vez mais vivenciar a cidade. Por isso, a maioria das nossas apresentações naquela época eram gratuitas, em espaços públicos e de acesso direto”, lembra Vitor Lopes.
Com o passar dos anos, o Regional foi se consolidando e se tornando conhecido entre os capixabas, até que o grupo começou a ser chamado para tocar em eventos e festivais. Em conversa com André Felix, ele afirmou que esse ponto foi crucial para a profissionalização do bloco. Ele conta que o bloco investiu na retomada do carnaval de rua do Centro de Vitória e tem atraído um público diverso, com pessoas de todas as raças, gêneros e classes sociais. “Isso tudo tornou o Regional da Nair um bloco popular e, com o aumento do carnaval de blocos de rua nas capitais do sudeste, o Regional virou um símbolo de resistência, alegria e de representatividade de Vitória”, destaca.
No processo de amigo chama amigo descrito por Vitor Lopes, o Regional ganhou as ruas e o coração da população. Os convites atravessavam as bolhas sociais. A única característica comum entre todos era o samba, tocado e cantado por pessoas diferentes, que em sua maioria nem se conheciam.
“Quem quiser ficar em Vitória, que fique”
Com o tempo, o Regional foi ganhando proporções de um grande bloco, de uma quase escola de samba. Ele estava cada vez mais inserido no cenário carnavalesco capixaba e por essa razão merecia destaque, tal como o desfile das escolas de samba, que acontece uma semana antes da semana oficial de carnaval. Pelo menos, era assim que alguns fundadores pensavam, o que motivou o próximo passo na história do bloco. Por que não sair na semana oficial do carnaval de Vitória?
Vitor ressalta que a decisão de botar o blo na rua na semana do carnaval oficial da cidade não foi um consenso entre todos do grupo. Na época, muitos viajavam para o Rio ou para outras regiões brasileiras, sobrando poucas pessoas em Vitória. Mesmo assim, Lopes e outros integrantes que ficaram na cidade, propuseram levar o bloco à rua mais uma vez.
“Nessa época eu acho que já dava umas 5 mil pessoas no bloco. E aí quando teve a mudança para o domingo de carnaval, a gente achava que não ia ninguém de novo, porque estava todo mundo viajando. Mas muita gente ficou”, lembra
Em 2014, o Regional da Nair ocupou as ruas de Vitória em pleno domingo de carnaval. Sem saber, a ousadia do Regional incentivou outros blocos a irem à rua, transformando o carnaval da cidade.
Regional da Nair, para além do bloco tradicional
Além do histórico bloco, no período carnavalesco, que arrasta multidões, o Regional da Nair também promove rodas de samba. Estas se tornaram tradicionais, reunindo um público fiel nos últimos 15 anos, em festivais e locais privados durante o ano. Uma das recentes apresentações da roda de samba foi em julho deste ano, no Gastronomia da Samba, promovido pelo Instituto Panela de Barro. Também participaram do Delírio Tropical de verão em janeiro, e da edição especial do evento em comemoração ao aniversário dos 490 anos da cidade de Vila Velha. “Já estamos há uns três anos com essa formação fixa com 11 músicos. Tem uma equipe que trabalha com a gente. A coisa tá mais profissional e reflete no tipo de entrega de qualidade dos shows”, afirma André Felix.
De acordo com ele, embora o carnaval de rua seja bastante aclamado pelo público capixaba, os blocos enfrentam dificuldades na arrecadação de recursos. Felix conta que os blocos não são totalmente contemplados pelas políticas públicas, tendo que recorrer a outras fontes de recursos, como é o caso do Regional, que participa de festivais e apresentações privadas.
Ele ainda explica que existe uma diferença de ritmo entre o crescimento do carnaval de rua e os incentivos estatais. Enquanto a multidão que acompanha o carnaval continua aumentando de forma acelerada, a estrutura e o planejamento público caminha a passos lentos e não consegue estar em sintonia.
Apesar dos impasses, André Felix afirma que o futuro do carnaval está no fomento dos blocos de rua e na independência financeira. Ele diz que o objetivo principal é tornar o carnaval de Vitória e o Regional sustentáveis e acredita que “isso pode ser uma revolução para a cultura capixaba na direção de construir uma saúde financeira e incentivar o consumo interno como cultura daqui.”