O mundo está acabando ou é só impressão minha?

Preocupação e angústia generalizada em relação às emergências climáticas, conhecida como ecoansiedade ou ansiedade climática, têm impactado a saúde mental de indivíduos em todo o planeta.  

O agravamento acelerado das mudanças climáticas em comparação ao ritmo lento de adoção de um desenvolvimento sustentável tem produzido impactos significativos na saúde mental dos indivíduos. Sem saber se o próximo dia será mais quente ou mais frio ou sequer a gravidade dos eventos climáticos futuros, as pessoas vivem em medo constante e uma persistente sensação de fim do mundo.
De acordo com o artigo médico publicado pela Harvard Health Publishing, plataforma de notícias da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, “a ansiedade em relação ao clima geralmente é acompanhada por sentimentos de pesar, raiva, culpa e vergonha que, por sua vez, podem afetar o humor, o comportamento e o pensamento.”
A ansiedade climática é sentida como um desamparo, desesperança e tristeza diante emergência dos eventos climáticos, mas se manifesta de maneira mais tangível na análise de seus sintomas. Além de impactos no humor e no comportamento, a ecoansiedade pode causar perda na capacidade de se concentrar, comer, dormir, estudar e desfrutar dos relacionamentos, explica a Smithsonian Magazine, uma publicação do Museu Smithsonian (instituição educacional e de pesquisa fundada e administrada pelo governo dos Estados Unidos). O quadro ansioso também pode impactar diretamente o desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes.
Em reportagem sobre mudança climática publicada pela National Geographic Brasil em julho de 2022 é evidenciado que as pessoas mais jovens são as mais afetadas pelo problema. O dado é reforçado também por uma pesquisa realizada pela revista científica The Lancet. “Mais da metade dos 10 mil jovens entrevistados concordou com a afirmação: ‘a humanidade está condenada’ e disseram que as preocupações com o estado do planeta estavam interferindo no sono, na capacidade de estudar, brincar e se divertir”, destaca a reportagem.

Segundo o MapBiomas, rede colaborativa de cocriadores formada por Organizações Não Governamentais (ONGs), universidades e empresas de tecnologia, em 2024, a Amazônia atingiu recorde de incêndios florestais, apresentando aproximadamente 15,6 milhões de hectares queimados, um valor correspondente a 52% de toda área nacional afetada pelo fogo no ano. Estudos da Organização Meteorológica Mundial (OMM) indicam que o derretimento acelerado das geleiras – que entre 2022 e 2024 registrou o maior degelo observado em três anos – pode gerar consequências para todo o mundo, como o aumento de inundações e elevação do nível do mar.  
No dia 01 de agosto do ano passado a humanidade havia esgotado todos os recursos do planeta disponíveis para o 2024, começando a consumir recursos de 2025, segundo a organização internacional Global Footprint Network.De acordo com o programa de observação europeu Copernicus, o aumento de 1,6°C da temperatura média global em relação aos níveis pré-industriais desafiam o que é considerado limite seguro para o planeta (2°C).
Walter Louzada
Fonte: Reprodução Clínica Essência Psi 

O psicólogo e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) Walter Louzada sinaliza que a diferença entre ansiedade climática e uma preocupação ambiental comum está nos impactos diretos à saúde dos indivíduos. Enquanto a ecoansiedade pode causar angústia e medo, acompanhado de demais sintomas característicos de um transtorno ansioso, a preocupação ambiental impulsiona atitudes mais ativas quanto as dificuldades ambientais seja através de pequenos hábitos ecológicos e sustentáveis até o envolvimento em atos mais profundos e de longo alcance, sem gerar a sintomatologia de ansiedade. “A ansiedade climática é mais prevalente entre os jovens devido à sua educação ambiental e maior acesso à informação, contrastando com gerações anteriores. Essa preocupação é agravada pela falta de estrutura de apoio à saúde mental na sociedade atual, deixando-os despreparados para lidar com os desafios ecológicos do século”, analisa o psicólogo.
Segundo o especialista, a mídia, as redes sociais e demais veículos de informações trabalham diretamente no favorecimento ou diminuição dos transtornos desenvolvidos em relação aos eventos climáticos. Isso porque a exposição contínua a notícias sobre problemas ambientais pode prejudicar a saúde para além da ansiedade, comprometendo o sistema imunológico do indivíduo. Walter explica que “as células do nosso sistema imunológico possuem uma notável quantidade de receptores neurológicos, ficando atrás apenas das células do sistema nervoso. Isso implica que o que causa ansiedade, depressão e condições similares também afeta diretamente nosso sistema imunológico. Consequentemente, uma forte exposição midiática a conteúdos que nos geram ansiedade ou depressão impactará negativamente nossas células de defesa. Ou seja, nossa imunidade pode ficar comprometida por um período significativo, mesmo após a exposição a esses fatores estressantes ter cessado.”

Para lidar com a ansiedade climática de forma saudável o especialista destaca algumas estratégias importantes:


Em suma, enquanto a ecoansiedade se manifesta como um sério desafio para a saúde mental dos jovens, influenciada por uma sociedade por vezes despreparada e pela sobrecarga de informações alarmistas, a chave para lidar com essa preocupação reside no equilíbrio. A mídia e as redes sociais, com seu imenso poder de disseminação, podem tanto exacerbar o medo quanto pavimentar o caminho para a esperança. Ao invés de apenas focar nas catástrofes, temos a oportunidade de destacar as soluções, as ações positivas e as iniciativas que, embora muitas vezes desconhecidas, já estão transformando nosso mundo. Essa abordagem proativa e consciente pode nos guiar para um futuro onde a preocupação ambiental se converte em engajamento construtivo, e não em desespero.

Victoria Lyrio
Fonte: Reprodução Revista Vertigem 

Victoria Lyrio, cientista social e mestranda em Comunicação e Territorialidades da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), conta que “aflição” é o sentimento mais recorrente ao consumir notícias e informações sobre as mudanças climáticas. Para ela, o passar dos anos é marcado pelos impactos significativos da crise ambiental sentidos diretamente. “Saber que estamos em uma situação de aquecimento que estava prevista para muitos anos à frente me faz refletir sobre como chegamos a esse ponto e me leva a imaginar um futuro que até então era um cenário distópico, mas que agora está de fato se aproximando de nós.” pondera.
Ao ser questionada sobre cenários de esperança e práticas de enfrentamento que podem ser realizadas para mitigação da emergência climática, Victoria entende que nenhuma ação individual tem o poder de mudar as condições atuais de forma significativa e atribui tal responsabilidade às instituições públicas, governos e grandes empresas. Para ela, a urgência da temática tem ganhado cada vez maior espaço de discussão nas corporações. “O enfrentamento dessa situação implicaria todo um conjunto tecnológico de desenvolvimento sustentável por parte de grandes empresas e instituições governamentais, porém, isso é caro, e sabemos que em uma balança de interesses, o empresariado nunca vai colocar o bem-estar coletivo como prioridade se isso implica em uma redução de lucros.” analisa a cientista social.

Laura Valentim
Fonte: Divulgação

Em contrapartida, apesar de demonstrar medo e angústia diante das notícias e atualizações sobre a crise climática no mundo, Laura Valentim, recém graduada em Jornalismo pela Ufes, revela crença no poder comunitário e ativista. Segundo ela, mesmo que as movimentações individuais sejam de baixo impacto em relação aos problemas globais, ainda sim demonstram capacidade combativa, essencial para o enfrentamento das crises. “Não basta apenas confrontar grandes corporações e exigir sustentabilidade delas; precisamos que a sustentabilidade esteja perto de nós, em nosso dia a dia. A mobilização para a coleta de lixo reciclável e a adoção de pequenas rotinas sustentáveis podem, juntas, colaborar e melhorar significativamente a situação.” defende.
A jornalista revela que o cenário é amedrontador. Ela descreve que sente “como se o mundo estivesse gradativamente sucumbindo” e que apesar do privilégio de não residir em local de alto risco se assusta com notícias de deslizamento de casas em encostas, períodos de seca severa em regiões historicamente úmidas e alagamentos que transformam ruas em rios, arrastando tudo pela frente. “Ao comparar a situação com outros países que enfrentam os mesmos desafios, sinto um profundo desamparo por parte das autoridades nacionais em todo o mundo. É como se, globalmente, os poderes constituídos permanecessem inertes diante dos problemas.” destaca Laura.

Luiz Fernando Schettino
Fonte: Reprodução OSCIP COLORIR Criando Valores

O professor, ambientalista e Membro Titular do Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia de Vitória (CMCT), Luiz Fernando Schettino, aponta que o último ano foi marcado por eventos climáticos extremos, impactando a percepção do público e de atores políticos em relação ao colapso ambiental. Para ele o aumento dos fenômenos climáticos são percebidos por parte das pessoas como indicadores de “fim do mundo” e por outras como meras notícias do cotidiano.  “O mundo vive uma espécie de dissonância cognitiva coletiva: sabemos o que está acontecendo, mas agimos como se houvesse tempo de sobra. E essa ilusão de tempo é, talvez, o maior risco de todos”, afirma Schettino. 

Essa desconexão entre a urgência da crise climática e a percepção pública ocorre também por falta de ação política em nível global. Schettino destaca que “a percepção pública sobre as mudanças climáticas ainda é fragmentada e, muitas vezes, influenciada por fatores como nível de escolaridade, orientação política e acesso à informação de qualidade”. Isso significa que em muitos países, grande parte da população ainda não compreende a gravidade da situação ou não sente que ela afeta diretamente sua vida. O especialista afirma que essa percepção reduz a pressão social sobre governos e empresas para que adotem medidas mais ambiciosas.

No âmbito político, ele destaca as contradições evidentes entre a adoção de um modelo de desenvolvimento sustentável e sucesso econômico das nações. “Enquanto acordos internacionais são assinados com promessas de redução de emissões, muitos países continuam subsidiando combustíveis fósseis, flexibilizando leis ambientais e permitindo o avanço do desmatamento. A agenda climática, embora presente nos discursos, muitas vezes é tratada como secundária diante de interesses econômicos imediatos, o que é perceptível no Brasil, com expoente máximo nos EUA.” destaca Schettino.

Ao apresentar sua visão sobre o preocupante cenário dos eventos climáticos, o ambientalista destaca o potencial transformador dos jovens. Segundo ele, “a história mostra que grandes mudanças sempre começaram com pessoas que ousaram agir, mesmo quando tudo parecia perdido.”
Schettino cita a liderança em movimentos como o Parlamento Jovem (um programa que simula a jornada de trabalho de deputados federais para estudantes do ensino médio) e o Engajamundo (organização de liderança jovem focada em problemas ambientais e sociais). Ele também menciona a pressão sobre governos, a criação de soluções locais e a ocupação de espaços decisivos como estratégias para a mudança coletiva. O ambientalista enfatiza que essas ações são válidas mesmo que executadas com poucos recursos e que, a princípio, pareçam de baixo impacto.
Neste sentido, para Luiz Fernando Schettino a ansiedade climática é “real e compreensível” mas que também pode ser transformada em ação. Mesmo diante de um cenário desestimulante e aterrorizador, a visão do especialista fornece uma fagulha de esperança para as mentes ansiosas em relação à construção de um futuro sustentável.
“A esperança está em cada atitude coletiva e em cada voz que se levanta. A ação prática começa no cotidiano: entender o problema, conversar sobre ele, cobrar políticas públicas, apoiar causas ambientais, reduzir o consumo excessivo e, principalmente, se conectar com outras pessoas que compartilham do mesmo propósito. A ecoansiedade diminui quando a gente transforma preocupação em engajamento.” conclui Schettino.

Você sabia que existe um mecanismo para alertar o planeta sobre os riscos de um potencial apocalipse? 

O doomsday clock, ou o relógio do juízo final, criado por um grupo de cientistas nucleares chamado Bulletin of the Atomic Scientists, mede, por meio de cálculos matemáticos complexos, a probabilidade real de eventos catastróficos. Dentre eles estão guerras nucleares, doenças epidêmicas e mudanças climáticas. 

O relógio foi criado logo depois da Segunda Guerra Mundial, em 1947, quando os cientistas, entre eles o físico Albert Einstein, começaram a se preocupar com a corrida armamentista entre Estados Unidos e União Soviética. A lógica é simples: quanto mais perto da meia-noite estiverem os ponteiros do relógio, mais próximo estará também o mundo do seu fim.

Atualmente o relógio encontra-se a 89 segundos da meia-noite. Segundo nota oficial do grupo, a diminuição de um segundo desde 2023 em relação às mudanças climáticas foi devido ao aumento do nível marítimo e temperaturas globais, ondas de calor intensas, incêndios florestais, aumento de emissão de gases do efeito estufa e inundações. “Em 2024, a humanidade se aproximava cada vez mais da catástrofe. Tendências que preocupavam profundamente o Conselho de Ciência e Segurança continuaram e, apesar dos sinais inconfundíveis de perigo, os líderes nacionais e suas sociedades não conseguiram fazer o que era necessário para mudar o curso.”

Vale ressaltar que o relógio representa uma excelente ideia de marketing para a discussão de medidas de mitigação da crise climática e para evitar guerras nucleares. No entanto, ele não oferece uma medição exata de quanto tempo ainda resta no planeta.

Fonte: Reprodução CNN Brasil 

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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