Hiperconexão ameaça o bem-estar no trabalho

Além dos baixos salários, queda na credibilidade da profissão e redução de oportunidades no mercado de trabalho, profissionais da informação enfrentam a “sobrecarga informacional”

Cansaço mental, fadiga física, irritabilidade, alterações de humor, distúrbios de memória e dificuldade de concentração são alguns dos sintomas frequentemente observados em quem lida diariamente com volumes massivos de informação. Uma pesquisa do psiquiatra e pesquisador Anthony Feinstein da Universidade de Toronto, no Canadá, sobre a saúde de jornalistas que cobrem eventos climáticos apresentou resultados preliminares alarmantes durante um seminário da Oxford Climate Journalism Network no Reuters Institute, programa de apoio à comunidade global de repórteres e editores de diversas áreas e plataformas. Segundo o estudo, quase metade dos jornalistas que participaram da pesquisa relatou sintomas moderados a graves de ansiedade (48%) e depressão (42%). 

Os sintomas podem ser sentidos em qualquer indivíduo que tenha contato direto com grandes volumes de informação. Isso inclui uma vasta gama de profissionais da informação, como jornalistas, que processam e disseminam notícias; pesquisadores, que analisam dados em busca de novos conhecimentos; analistas de dados, que interpretam informações para embasar decisões estratégicas; cientistas da computação, que desenvolvem sistemas para gerenciar e extrair valor de dados complexos; e até mesmo estudantes e educadores, que estão constantemente expostos a um fluxo contínuo de conteúdo.

A sobrecarga informacional surge a partir do contato constante entre o profissional e grandes quantidades de informações, geralmente compartilhadas instantaneamente por intermédio das redes sociais. Tal fenômeno começa a afetar o bem estar no trabalho quando prejudica a capacidade de criação, julgamento crítico e inovação. 

3% relatam que a saúde mental não é levada a sério em suas redações;55% não têm acesso a recursos para apoiar sua saúde mental e física;
16% das pessoas fizeram uma pausa no trabalho por motivos de saúde mental;As respostas emocionais ao trabalho com mudanças climáticas (em ordem de gravidade e frequência) são: desespero, raiva, culpa, nojo e vergonha. Estes são sintomas de dano moral.
Priscilla de Oliveira Martins
Fonte: Reprodução AGazeta

Professora da Ufes Priscilla de Oliveira Martins, doutora em Psicologia e especialista em pesquisas e consultorias voltadas para o mundo do trabalho, afirma que além dos sintomas comuns à sobrecarga de informação, os indivíduos podem apresentar distúrbios de sono e insatisfação com o trabalho. “Muitas vezes o trabalho que era considerado algo prazeroso e que trazia sentimentos positivos, passa a trazer sentimentos negativos, tais como ansiedade e irritação.” destaca. 

A especialista ressalta que além da redução do volume de trabalho, as pessoas que lidam com dificuldades pelo excesso informativo devem estabelecer estratégias de manejo e prevenção para proteção da saúde mental. Dentre ações descritas pela psicóloga, estabelecer limites entre o tempo de trabalho e o tempo fora é essencial. 

O avanço tecnológico e informacional proporcionado pela internet garante conectividade constante aos profissionais, que consequentemente se veem presos no papel de “vigilantes da informação” 24 horas por dia. Neste sentido, a disponibilidade constante permite que o tempo de trabalho invada os demais tempos da pessoa como o tempo em família, o de lazer e o destinado ao autocuidado. 

“A prática do autocuidado é fundamental para o bem-estar integral, abrangendo a saúde mental e física. É essencial engajar-se em atividades físicas, dedicar tempo a momentos de lazer e fortalecer os laços sociais com amigos e familiares, pois essas ações promovem uma vida mais equilibrada e plena. Priorizar o autocuidado é investir em qualidade de vida.” pondera Priscilla. 

Um grande obstáculo destacado pela especialista diz respeito à dinâmica das plataformas digitais, que propagam de maneira instantânea milhares de informações sobre os mais variados assuntos, e a pressão por velocidade característica tanto deste espaço virtual quanto pela valorização do “furo jornalístico”. 

Há uma certa pressão para que além da rapidez, as notícias sejam entregues de forma correta e bem apurada. Tais condições favorecem a exaustão mental e física do profissional de comunicação para além dos sintomas já citados. Priscila destaca que, dentro do ambiente de trabalho, o papel da gestão das empresas é de extrema relevância. Piorar a condição mental ou favorecer o desenvolvimento adequado do trabalho do profissional sem comprometer a saúde mental ou física depende da ação das organizações.

“Para que a comunicação interna seja eficaz e ética, é crucial ter uma cultura e liderança que priorizem a ética na divulgação da informação e a qualidade dos dados. Isso significa valorizar a análise cuidadosa de toda informação antes de sua disseminação. Além disso, um ambiente de trabalho colaborativo entre os profissionais é fundamental para um bom clima organizacional, servindo como uma salvaguarda para essas exigências.” recomenda. 

Yasmin Ribeiro Gatto
Fonte: Divulgação

Yasmin Ribeiro Gatto, professora, mestre e doutora em Comunicação, compartilha que os profissionais da informação são diariamente pressionados pela velocidade das notícias, especialmente em redações jornalísticas cujo tempo de produção é quase sempre curto. Quem lida com informação é forçado a acompanhar as notícias em tempo real e a estar conectado a todo momento caso haja necessidade de cobertura demandada pelo veículo de comunicação. Essa pressão vem tanto de dentro do ambiente de trabalho quanto da sociedade, que exige uma velocidade noticiosa dos fatos entendendo o papel informativo do jornalismo sob os acontecimentos do cotidiano. 

A professora destaca que o não acompanhamento do ritmo de produção de notícias, é garantia de exclusão do mercado de trabalho. “Se você trabalha com informação precisa estar bem informado”, afirma. No entanto, enquanto antes da internet bastava ter conhecimento de determinados assuntos para realização da cobertura, hoje nota-se que o profissional da informação deve ser multitarefa e multiplataforma. Isso significa que deve saber falar de variados assuntos em diferentes configurações adequando-se ao veículo, rede ou público pretendido. 

“Hoje, você precisa saber de uma infinidade de acontecimentos que, segundo estudos, nem um ser humano está preparado para ter esse nível de acúmulo de informação. E isso impacta de forma muito negativa na saúde mental. Primeiro porque é uma exaustão no trabalho e segundo porque se você não consegue acompanhar, você se sente insuficiente. Então, você está sempre sendo compelido a entrar num ritmo de trabalho assustador, entrar em processos de ansiedade”, destaca. 

Embora sejam muitos os obstáculos para realização do trabalho informativo, Yasmin afirma que o jornalista tem um papel essencial nesse cenário de “infoxicação” (intoxicação de informação). Considerando a capacidade dos espaços virtuais para a propagação de fake news e pós-verdades (fenômeno onde a verdade factual é menos influente na formação da opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais), é necessário que o jornalista trabalhe com um compromisso ético. Dessa forma, a partir do rigor jornalístico e excelente apuração será possível a redução de perdas informacionais e circulação de desinformações na esfera digital. “Por várias questões e principalmente por essa alta velocidade de informações, é que a pessoa acaba filtrando muito pouco e não conseguindo discernir o que é verdade e que é mentira.” analisa a professora. 

Ao direcionarmos o debate para quem lida com outro tipo de informação como o pesquisador do Laboratório de Internet e Ciência de Dados (Labic) Gabriel Herkenhoff, é possível observar que na análise de dados o big data (conjuntos de dados extremamente grandes e complexos, que são difíceis de processar com ferramentas tradicionais de gerenciamento de dados) impõe desafios significativos.

Gabriel Herkenhoff
Fonte: Divulgação

Segundo ele, por mais capacitado que o profissional seja para organização dos dados no desenvolvimento das tarefas, a impressão que fica é a existência de um excesso. O trabalho exercido em meio a informações fragmentadas e com características distintas dificulta a constância da atenção e de um pensamento bem estruturado, o que torna o trabalho de análise ainda mais complexo. “No caso do analista, se o excesso de dados que é parte do seu trabalho já tem um potencial de gerar ansiedade, há ainda essa pressão externa que é a do empregador. Nesse sentido, o trabalho com a análise fica em meio a uma dupla exposição a fatores de ansiedade.” revela o pesquisador.   

Além disso, Gabriel afirma que, em seu ambiente de trabalho, a fragmentação dos dados e excesso de ruído informativo causa sobrecarga dos analistas, que também precisam lidar com temas sensíveis como discursos de ódio, teorias conspiratórias e desinformação.

O pesquisador afirma que é necessário destinar um tempo de descanso, de preferência fora das telas, a fim de qualificar a análise dos dados e garantir que o analista não fique sobrecarregado pelo volume de informações. Adicionalmente, ele cita uma segunda alternativa que seria de grande impacto na rotina dos pesquisadores. “Uma solução um pouco mais complexa é utilizar softwares e aplicações mais amigáveis para disponibilizar os dados para os analistas, de modo que as atividades fiquem menos vinculadas ao trabalho com planilhas e dados brutos, que sempre implicam um esforço extra de organização.” conclui.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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