Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) contraria consensos internacionais e gera polêmica e insegurança O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, no dia 16 de abril, uma resolução no Diário Oficial da União que revisa alguns critérios éticos e técnicos para o atendimento de pessoas trans. A Resolução nº 2.427/2025 tem como principal mudança a proibição do bloqueio hormonal para crianças e adolescentes com incongruência ou disforia de gênero. Além de vetar o início do tratamento com hormônios antes dos 18 anos, a resolução também restringe o acesso a procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero para menores de 21 anos. A medida revoga os direitos anteriormente estabelecidos e assegurados pela Resolução nº 2.265/2019, desconsiderando evidências científicas, protocolos internacionais e o sofrimento vivenciado por jovens trans no país, colocando-os em situação de vulnerabilidade. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IbratBRAT) deram entrada a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.806, no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a suspensão imediata da Resolução nº 2.427/2025 do CFM e o restabelecimento da Resolução nº 2.265/2019, assegurando o acesso a terapias hormonais e procedimentos afirmativos respaldados por evidências científicas. A Antra e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo (ABGLT), também encaminharam ofício à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), denunciando a nova Resolução do CFM, alegando que representa um grave retrocesso nos direitos humanos e no acesso à saúde da população trans e travesti no Brasil. “A decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) desconsidera as diretrizes da comunidade científica e os compromissos assumidos com os direitos humanos, tanto em âmbito nacional quanto internacional. A medida representa uma afronta à dignidade de crianças e adolescentes trans e configura uma séria violação ao direito à saúde integral e livre de discriminação”, afirmou Bruna Benevides, presidenta da Antra à imprensa. O que diz o CFM O relator da resolução e conselheiro federal do CFM pelo Rio de Janeiro Raphael Câmara, alegou que a medida foi motivada por mais de 120 estudos que indicam aumento de casos de arrependimento pós-transição. Câmara, que é ex-secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde no governo Bolsonaro, também disse aos jornais que: “Uma hipótese é que esteja havendo um sobrediagnóstico. Mais crianças e adolescentes estão sendo diagnosticadas com disforia de gênero e, com isso, sendo levadas a tratamentos. Muitas dessas crianças poderiam, no futuro, não ser trans, mas simplesmente gays e lésbicas”. Segundo especialistas, essa decisão pode reforçar preconceitos, deslegitimar a existência e resistência de uma identidade trans e ferir o direito constitucional dessas pessoas. O CFM alega que sua resolução se baseia em atos semelhantes adotados em países como Suécia e Reino Unido, que restringem o uso de bloqueadores puberais, no entanto ignora outras diretrizes internacionais especializadas. Entre essas estão as da Associação Profissional Mundial para a Saúde Transgênero (WPATH) e as da Sociedade Endócrina Internacional, que recomendam bloqueadores e hormonioterapia em adolescentes, em contextos clínicos controlados e individualizados. O que diz a comunidade trans Para as instituições que representam as pessoas trans, o CFM adota uma postura retrógrada e preconceituosa, que pode promover a desinformação, induzindo a acreditar que crianças e adolescentes trans estariam realizando procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero, o que não ocorre. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) alerta para a circulação de desinformação a respeito de supostas cirurgias em crianças trans “à força” ou “cedo demais”, o que não tem fundamento, pois esses procedimentos não são oferecidos a esse grupo etário. Antecipar cenários catastróficos para crianças trans, baseados em suposições e preconceitos, mascara o verdadeiro problema: a negação do direito de existir para além da perspectiva cisnormativa (refere-se a identidade de gênero corresponde ao sexo biológio). Crianças trans, que nem sequer têm acesso a cirurgias, frequentemente são submetidas a diagnósticos que buscam ajustá-las às expectativas familiares e sociais, em vez de reconhecer e acolher suas experiências, defende a Antra. As instituições também criticam o CFM por não propor alternativas para garantir a saúde mental e física de adolescentes trans que vivenciam sofrimento por disforia de gênero, se a terapia hormonal estiver vetada. “Com a publicação da resolução, as pessoas trans continuarão tendo acesso integral a serviços do SUS”, minimizou o CFM sobre esse ponto. Além de recorrer a diversas instâncias contra a decisão do CFM a Antra cobra do Estado brasileiro políticas públicas eficazes voltadas à população trans, com ênfase especial para a imediata implementação do Programa de Atenção Especializada à Saúde da População Trans, desenvolvido com a proposta de substituir o Processo Transexualizador por uma política mais abrangente, atualizada e alinhada a diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). O programa foi anunciado pelo Ministério da Saúde em fevereiro, mas ainda não tem previsão para ser oficialmente implementado. Hormonização é um salto em qualidade de vida A secretária executiva lotada na Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidade da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Viviana de Paula Corrêa, disse que a hormonização foi crucial para garantir a diminuição de sua disforia de gênero e proporcionar um salto de qualidade de vida, o que influenciou diretamente em sua saúde mental. Iniciou o tratamento antes da recomposição do ambulatório de diversidade de gênero do Hucam, em 2016, homologado pelo Ministério da Saúde apenas em 2018. “A meu ver, quanto antes a pessoa trans tiver a possibilidade de acesso aos bloqueadores hormonais, (hormonização cruzada) e a hormonização em si, mais um recurso no enfrentamento de uma sociedade transfóbica ela terá. Entendo que a resolução do CFM retrocedeu gravemente ao dificultar o acesso à saúde para esta população, não apenas em relação à hormonização, mas também aos procedimentos de afirmação de gênero. Além de desrespeitar a nossa autonomia em relação aos nossos corpos”, acrescentou Viviana. O que dizem os especialistas Especialistas demonstram preocupação com os impactos da resolução do CFM na saúde mental de jovens trans. Estudos publicados pela Jama Network Open (revista da American Medical Association) em 2022, abrangendo um universo de 11.000 crianças trans de 9 a