Entre a passagem do tempo e do espaço, uma coisa permanece: a amizade que o estabelecimento construiu com sua clientela.
Em frente a uma escola de música, sob a sombra de uma grande castanheira-da-praia, localizam-se as quatro paredes de um dos bares mais famosos de Vitória: Calipe. Com uma placa amarelo vibrante, as seis letras coloridas que nomeiam o estabelecimento permanecem desde a década de 90 no bairro de Jardim da Penha, famoso pelas suas pracinhas idênticas e moradores divididos entre juventude e melhor idade.
Ali, no bar Calipe, muitas histórias começaram, terminaram e atravessaram gerações. Se engana quem pensa que foi apenas um cliente transitando em uma O Calipe nasceu da união do nome dos filhos do seu criador, Paulinho. Ana Carolina e Luiz Felipe foram as inspirações para que o bar começasse a engatinhar, no bairro Praia do Canto dos anos 80. Por questões financeiras, Paulinho decidiu passar o bastão pnoite aleatória. Quem senta naquelas cadeiras de plástico azuis assina permanentemente seu nome no livro da vida do bar.
Para seu amigo, o empresário Carlos Alberto Colli, o “Alemão”. Gerente de uma grande padaria na época, ele sabia como administrar um estabelecimento. Agora, localizado em duas tímidas portinhas na rua Eugênio Ramos, Calipe mal sabia que ocuparia bem mais que apenas um número em uma calçada. Ele estava em boas mãos. E não apenas boas mãos, mas também em um bom coração.
O bar e restaurante logo ficou conhecido por ser um lugar de encontros, graças ao Alemão. Quem frequentava, sabia: é o homem dos caldos e da feijoada. Todo fim de semana o cheiro na cozinha viajava pelas paredes e encantava pelo olfato: logo os fregueses se animavam com a expectativa de que Alemão estava cozinhando.
Com um sorriso, ele convidava os grupos a curtir um samba e conversar sobre a vida, abrigados sob os toldos amarelinhos. A culinária afetiva abraçava universitários que iam celebrar o fim do período, ou casais que tinham seu primeiro encontro sentados nas cadeiras de plástico azuis.
Time do Flamengo, frei do Convento, recém casados ou “terminados”, todos iam confessar suas alegrias e tristezas para Alemão, que com gentileza escutava e cuidava de seus clientes com amor, através de pratos deliciosos e marmitinhas de comida doadas a quem precisasse.
Em casa, a saudade apertava. Mas os filhos sabiam da vida corrida que quem tem um bar leva, ape sar de não compreenderem inteiramente. Em troca, o Calipe abrigava as três crianças em tardes de brincadeiras sem fim. Quando presente, o pai estava de corpo e alma, garantindo o sustento para a casa.
Os anos se passaram, a clientela se renovou mas o bar continuava ali, observando os pedestres apressados de manhã darem lugar aos jovens tranquilos e risonhos da noite.
Depois do dia 20 de outubro de 2022, as coisas mudaram no Calipe. Não era mais Alemão que limpava as mesas, servia as pessoas e fazia a feijoada. Era Carla, sua filha. O coração bondoso do patriarca parou de bater nessa data, enchendo a atmosfera do Calipe de tristezas e saudades. Sem hesitar, o novo “Ca” do nome do bar assumiu a direção. Seguindo os passos do pai, Carla logo percebeu o que tinha de diferente naquelas mesas e naqueles clientes: o amor. Era um carinho tão grande que ela se admirava: “como meu pai fez a diferença na vida de tantas pessoas!”
Em um desses papos corriqueiros, a nova dona do Calipe descobriu a famosa sopa do Alemão: cumprindo uma promessa, toda segunda seu pai fazia um caldo e distribuía para os amigos e transeuntes. Vinha juiz, advogado, estudante, todo tipo de gente garantir o seu pratinho. “Tem gente que me pede até hoje essa sopa. Eu pergunVinha juiz, advogado, estudante, todo tipo de gente garantir o seu pratinho. “Tem gente que me pede até hoje essa sopa. Eu perguntei à nossa cozinheira, mas só meu pai que sabia fazer”, ela conta. Carla mantém a tradição até hoje: sempre que sobra, ela que faz a marmita para distribuir. Assim, o pai continua vivo com ela.
Como tudo na vida, Calipe passou por altos e baixos. Ainda não sabe seu futuro – se é hora de encerrar os quarenta anos de tradição em Vitória ou se deve se aventurar em outros bairros, outras cidades. Por atrasos burocráticos (ou sorte do destino) o fim do contrato de locação ainda está parado na justiça. Mas, uma coisa é certa: o bar é sinônimo de união para muitos. Graças a ele, laços foram fortalecidos, ciclos encerrados ou recomeçados… tudo em uma conversa ou em várias saideiras. Um verdadeiro amigo presente, ainda que silencioso. E, como bem diz o quadrinho perto da estufa de salgados e da pintura da Última Ceia, “A amizade, nem mesmo a força do tempo irá destruir.”
E é assim que Calipe vê a sua história.