Crônica: Sugestão de Pauta

Melany Pacheco

O jovem chega cinco minutos antes. Camisa passada, caderno pautado e uma caneta azul. Seria necessário o caderno e a caneta?

Em 2025, teclas dizem mais sobre boas qualidades. Um bom jornalista deveria ter trazido um tablet.

Mas a camisa está corretamente engomada.

A entrevista é simples. Segundo o e-mail: “trazer uma sugestão de pauta que demonstre sensibilidade jornalística, domínio da linguagem e visão de atualidade”. Um pedido direto. Uma boa avaliação para um bom jornalista.

Na sala, a entrevistadora inicia o encontro:

— Então, vamos começar? — diz, sentada atrás de um notebook com adesivos de eventos de mídia de 2016. — Qual é a sua sugestão?

— Eu quero falar sobre um caso que aconteceu na zona norte. Uma senhora de 80 anos foi assaltada ao sair do mercado. Quebrou o braço, ficou horas na fila do hospital. Os vizinhos organizaram um mutirão para ajudar. Acho que-

— Hmm — interrompe a entrevistadora — Tem filhos?

— Não, parece que ela não possui familiares próximos. Podemos falar sobre assistência na terceira ida-

A entrevistadora corta a resposta ao meio:

— Certo, mas quem a ajudou?

— Foram os próprios vizinhos, senhora. O que reflete ainda mais a falta de políticas públic-

A entrevistadora tem um lapso de epifania:

— “Senhorinha assaltada, mas moradores viram heróis!”

O jovem hesita.

— Acredito que seja uma denúncia. Podemos trazer dados sobre a integração de idosos, acesso à saúde e cuidado. Talvez também alguns relatos?

Dessa vez, o jovem consegue concluir a sentença inteira.

— Claro, claro. Alguém filmou o assalto? Com certeza conseguimos encontrar os principais vizinhos que pegaram o bandido.

A entrevistadora abre janelas no computador, pensando alto, quase jogando frases no ar.

O jovem retifica um detalhe que havia passado despercebido:

— Não, na verdade, os vizinhos não pegaram o bandido.

Mas o debate já estava encaminhado:

— E se colocarmos uma arte com o antes e depois dela? Rosto machucado e rosto recuperado. E sublinha pode ser: “Ela foi esquecida, mas sua vizinhança deu a volta por cima!”

— Ah… não sei como a denúncia se encaixaria…

— A denúncia está no esquecimento, óbvio. Enfim, com algumas imagens, a matéria vai ter muito potencial.

O jovem não entendeu a premissa do “potencial”.

Com um tom resoluto, a entrevista voltou a ser entrevista:

— Perfeito. Adorei. Vamos encerrar. Você vai receber um retorno em até uma semana, tá bem?

E tão brevemente, talvez cinco minutos, a avaliação havia terminado.

Três dias depois, o jovem recebeu a resposta. Na caixa de entrada, o e-mail dizia: “Agradecemos o interesse, mas informamos que selecionamos outra opção diferente.”

E mais abaixo, uma boa chamada para ação:

“Acesse as últimas notícias: Vizinhança salva senhorinha e cidade se emociona.”

Afinal, o jovem não sabia dizer o que era ser um bom jornalista.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

Contato