Lei do streaming: soberania cultural


O PL 2.231/2022 visa corrigir assimetrias geradas pela expansão dos serviços de streaming e criar critérios de valorização e priorização da produção independente brasileira


Felipe Figueiredo e Luara Gagliardi

A regulamentação das plataformas de vídeo sob demanda no Brasil é urgente para corrigir desigualdades fiscais, garantir investimentos na produção nacional e proteger a diversidade cultural frente ao domínio de gigantes estrangeiros.

A expansão dos serviços de streaming revolucionou a forma como consumimos cultura. Netflix, Amazon Prime Video, Globoplay e tantas outras se tornaram parte do cotidiano de milhões de brasileiros, mas essa revolução digital trouxe também uma distorção preocupante: enquanto televisões, cinemas e operadoras contribuem para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), as plataformas estrangeiras operam livremente, sem retorno proporcional ao mercado que exploram.

A chamada “Lei do Streaming” (PL 2.231/2022) visa corrigir essa assimetria ao incluir as plataformas de vídeo sob demanda na cobrança da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), com alíquota de até 3% sobre sua receita bruta anual. Trata-se de uma medida justa e coerente com o princípio da equidade fiscal. Se todos os atores do setor audiovisual já contribuem, não há justificativa para que empresas bilionárias estrangeiras permaneçam à margem. Mais do que arrecadação, o objetivo é investir no fortalecimento da produção independente nacional.

O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), alimentado pela Condecine, financia obras que expressam a pluralidade cultural brasileira, geram empregos e movimentam a economia criativa. Sem a participação do streaming, esse ecossistema perde fôlego e se torna cada vez mais dependente de conteúdos estrangeiros. A defesa da lei também é uma defesa de soberania. Como bem pontuou a deputada Jandira Feghali, o Brasil está atrasado em relação a países como França, Canadá e Coreia do Sul, que já regulamentaram o setor.

Em todos esses casos, as regras garantem mais espaço para a produção local e ajudam a preservar a identidade cultural frente à homogeneização e a importação de cultura estrangeira imposta pelo mercado globalizado. O argumento de que a cobrança poderia desestimular investimentos no Brasil não se sustenta. Ao contrário, a regulamentação cria regras claras e previsíveis, estimulando parcerias entre plataformas e produtores nacionais. Além disso, fortalece a transparência, ponto essencial para que o público saiba quem lucra com seu consumo e quanto retorna para a cultura do país.

É fundamental entender que cultura não é apenas entretenimento. É um instrumento de expressão nacional, de memória e de diversidade. Deixar que empresas estrangeiras se beneficiem do mercado brasileiro sem investir nele é abrir mão de contar nossas próprias histórias. É aceitar que a lógica do algoritmo defina quais vozes e narrativas chegam até nós. A aprovação da Lei do Streaming é, portanto, um ato de justiça fiscal, de incentivo à economia criativa e de preservação cultural. O Brasil não pode continuar sendo apenas consumidor de conteúdos, precisa ser protagonista na produção e difusão de suas próprias histórias.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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