Escolhas e recomeços

Ter certeza, em meio a tantas possibilidades, é um pouco caótico. As dúvidas sobre o futuro profissional, o peso da escolha de uma carreira ainda na adolescência e as pressões sociais fazem parte da vida de muitos estudantes que ingressam na universidade. Para alguns, esse percurso é fácil, para outros, cheio de dúvidas, pausas e recomeços.

Na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), os dados mais recentes mostram que essas mudanças não são casos isolados. Em 2024, a taxa de evasão chegou a 11,1%, enquanto apenas 49,1% dos estudantes concluíram o curso, segundo os Indicadores Acadêmicos do painel InfoUfes. Isso significa que menos da metade dos alunos que entram conseguem se formar. Ao todo, foram 1.853 alunos evadidos, aqueles que abandonaram o curso antes de concluir, enquanto 2.606 estudantes concluíram a graduação.

Além disso, a taxa de retenção, que indica quantos alunos permanecem no curso por mais tempo do que o previsto, está em 22,6%, e o tempo médio de conclusão de um curso de graduação na Ufes ultrapassa os 11 semestres. Mesmo com uma taxa de preenchimento de vagas alta (97,9%), a ocupação efetiva está em 73,4%, o que revela uma desproporção entre o ingresso dos universitários e a permanência deles.

Box – Desempenho Acadêmico na UFES (2024)

Fonte: InfoUfes

5.046 vagas ofertadas

4.938 ingressantes

16.705 estudantes matriculados

2.606 diplomados

1.853 evadidos

Taxa de conclusão: 49,1%

Taxa de evasão: 11,1%

Taxa de retenção: 22,6%

Tempo médio de conclusão: 11,3 semestres

Ocupação efetiva das vagas: 73,4%

Relação diplomados/evadidos: 1,41

Foi nesse cenário que Isabella Coslop, 22 anos e estudante de Direito na Ufes, decidiu trocar de curso no meio da graduação. A primeira escolha, Publicidade e Propaganda, veio menos por identificação e mais por medo. “Todos os meus amigos, na época, passaram nos cursos que queriam e estavam começando a vida universitária. E eu, naquele medo de ficar para trás, escolhi um curso que não tinha nada a ver comigo”, conta.

A frustração surgiu logo no primeiro período. A expectativa sobre o curso não foi alcançada, e a sensação de estar fora do lugar aumentava a cada aula. “Não me identificava com nada do que via nas aulas, enquanto meus colegas pareciam estar se encontrando. Comecei a sentir essa sensação de arrependimento e de não pertencer àquele lugar.”

A decisão de sair, no entanto, foi um salto no escuro, Isabella apenas sabia que não poderia continuar onde estava. O desligamento do curso foi feito assim que o semestre terminou. “Foi meio que um tiro no escuro o momento que eu apertei o botão de desligamento no portal do aluno, mas deu certo.”

Nesse processo, o medo foi um dos principais obstáculos. Medo do julgamento, da reação da família, de não conseguir voltar à faculdade. “Mas com o tempo isso foi passando, porque eu sabia que não estava tudo perdido. Eu só não me identifiquei com um curso e estava recomeçando.” O apoio da família e dos amigos foi fundamental. Até mesmo os amigos que fez na primeira graduação seguem presentes até hoje.

Após um ano, Isabella ingressou no curso de Direito, que naquele momento já demonstrava interesse em cursar, e as diferenças foram sentidas de imediato. “A cobrança era muito maior, e os professores, bem mais rigorosos. Isso me assustou no começo, mas logo nas primeiras aulas senti algo que não sentia quando comecei na Publicidade. Eu assistia as aulas e gostava, me interessava e a sensação de frustração foi ficando para trás”, relata a universitária. Foi um processo até se adaptar à área nova, mas hoje sente que fez a escolha certa.

Mais do que uma mudança de curso, a decisão foi parte de um processo de amadurecimento e autoconhecimento. “Aprendi que tá tudo bem recomeçar, que isso não é sinal de retrocesso ou atraso na vida. Mudar de curso pra mim foi um passo importante porque eu soube reconhecer que o caminho anterior não condizia com quem eu era”, diz.

Hoje, mesmo sem saber exatamente qual área do Direito quer seguir, Isabella se sente mais satisfeita com sua escolha. “Tô no começo do curso, ainda explorando, mas a cada dia, eu tenho a certeza que estou no lugar certo. E se, lá na frente isso também mudar, tá tudo bem também”, conta a estudante. 

Projeto de carreira na Ufes

A mudança de curso é uma realidade recorrente entre estudantes universitários e envolve fatores como frustrações, expectativas não atendidas, influências familiares e busca por sentido. Na Ufes, há um projeto de extensão que atende exatamente esse tipo de demanda: o Orientação e Preparação para Carreiras (OPC), que oferece atendimentos gratuitos de orientação profissional e planejamento de carreira para estudantes da universidade e da comunidade em geral.

Essa sensação de inadequação em relação à graduação é comum entre os estudantes, segundo o psicólogo Alexsandro de Andrade, coordenador do projeto OPC Ufes. “O projeto surgiu a partir da alta incidência de abandono na universidade, especialmente em cursos de licenciatura, além do crescimento do adoecimento psíquico associado às dificuldades na transição entre universidade e mercado de trabalho”, explica.

O projeto abre vagas todo ano e recebe entre 200 e 300 inscrições, porém conseguem atender de 30 a 50 pessoas por ciclo (com duração de 2 meses). Entre os principais motivos relatados, estão a falta de identificação com o curso, a dificuldade de perceber empregabilidade e inserção profissional e, especialmente em licenciaturas, o desconforto com a ideia de atuar como professor. Não conseguem se enxergar trabalhando com o que estão estudando. São pessoas que descobrem que fizeram licenciatura para serem professores do ensino fundamental ou médio, mas não gostam da ideia de serem professores quando finalizarem a graduação.

No projeto, a mudança por cobrança familiar não é frequente. O psicólogo diz que esse motivo aparece mais na transição do ensino médio para o superior, e que na universidade a cobrança parte mais do indivíduo e da sua posição como adulto, que precisar desenvolver uma autonomia a partir da sua profissão. 

As pessoas têm medo de abandonar um projeto de vida por causa do tempo, mas normalmente quem deseja mudar ainda é muito jovem. No entanto, para lidar com a frustração de “perda de tempo”, o coordenador do projeto diz que é preciso entender que cada vez mais as pessoas vão ter carreiras longas, então essa mudança não deveria atingir tanto. “As gerações dos 20, 30, 40 anos vão ter que refazer escolhas ao longo da vida para se manter economicamente ativa. As profissões nascem e morrem. Então, é mais interessante que tenham menos medo de enfrentar essa transição agora”, conta Alexsandro.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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