No país onde as desigualdades se manifestam até no acesso à saúde, o SUS segue sendo uma rede que conecta cuidado, dignidade e sobrevivência.
Em 2005, Palmira Possati descobriu seu primeiro câncer no intestino. Sem recursos para arcar com as despesas do tratamento pela rede particular, recorreu ao Sistema Único de Saúde (SUS) em busca de acolhimento. Ela precisou retirar parte do órgão e passou seis meses ostomizada, vivendo com uma abertura cirúrgica para eliminação de resíduos do corpo. Todo o processo, incluindo a cirurgia e o acompanhamento, foi feito pelo SUS, com atendimento no Hospital Estadual Antônio Bezerra de Faria, em Vila Velha, e no Hospital Santa Rita, localizado em Vitória.
Oito anos depois, em 2013, Palmira enfrentou um novo diagnóstico: o câncer de mama. Mais uma vez, foi buscar atendimento no sistema público, onde realizou uma mastectomia, sessões de quimioterapia e, até hoje, faz exames periódicos para monitorar possíveis recaídas. Para Palmira, o SUS foi fundamental na trajetória do tratamento e recuperação.

“Sem o SUS eu realmente não teria conseguido. Eu não conseguiria pagar um tratamento desse. E com o SUS eu não gastei nada. Tudo foi por conta do SUS, medicamento, cirurgia, internação. Além do acompanhamento com médicos maravilhosos que eu faço questão de destacar”, conta Palmira.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo. Ele oferece uma ampla gama de serviços, desde a atenção primária, com atendimentos básicos como aferição de pressão arterial, consultas médicas, acompanhamento de gestantes, crianças e idosos, além de serviços odontológicos e vacinação, até procedimentos de alta complexidade como os realizados por Palmira.
O SUS também abrange serviços especializados, como o diagnóstico e tratamento de doenças crônicas (diabetes e hipertensão), tratamento oncológico completo (do diagnóstico à quimioterapia), atendimento em saúde mental (incluindo consultas e internações), cirurgias de média e alta complexidade (ortopédicas, cardíacas e neurológicas), hemodiálise para pacientes renais e, por fim, o processo completo de transplante de órgãos.
A garantia de todos os serviços oferecidos bem como o atendimento por equipe especializada e acompanhamento pós tratamento são guiados por três princípios básicos, sendo eles: universalidade (todos os cidadãos brasileiros têm direito à saúde, sem distinção), integralidade (garantindo que atendimento em saúde seja completo, abrangendo desde a promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento e reabilitação, considerando as necessidades individuais de cada pessoa) e, por fim, a equidade (que busca reduzir as desigualdades no acesso à saúde, garantindo que aqueles que mais precisam recebam a atenção adequada, priorizando os mais vulneráveis).
Esses princípios são colocados em prática no dia a dia do Sistema Único de Saúde, especialmente num país com mais de 200 milhões de habitantes. A Secretária Municipal de Saúde de Vitória, Magda Lamborghini, recorre ao próprio conceito do SUS para demonstrar a complexidade do sistema. “Quando a gente fala de SUS, já é o próprio desafio, né? Porque o acesso é universal. Então a gente tá lidando com uma diversidade enorme de pessoas. Cada uma com sua necessidade, seu contexto e seu jeito de viver. Mesmo que você tenha procedimentos iguais para todo mundo, com equidade, é preciso tratar cada ser humano com sua particularidade”, explica.

Para lidar com este cenário, segundo Magda, a cidade de Vitória aposta na ampliação da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Atualmente, 25 das 29 unidades básicas de saúde do município já funcionam nesse modelo, e a meta é alcançar 100% da cobertura. A estratégia permite um cuidado individualizado e contínuo, com base em prontuários únicos e atendimento próximo à realidade dos moradores. “A gente sabe o que cada um dos nossos munícipes cadastrados na rede necessita e faz o atendimento voltado exatamente com a necessidade de cada um. A ideia é cuidar da saúde para evitar que a pessoa adoeça, buscando, além do tratamento, a promoção à saúde.”, afirma.
Com mais de 50 mil equipes de Saúde da Família em todo o Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, o SUS tem apostado nesse modelo como forma de garantir não apenas o tratamento de doenças, mas também a prevenção, base fundamental para reduzir internações e melhorar a qualidade de vida da população.
Uma rede de cuidado
Casos como o de Palmira Possati evidenciam a importância dos investimentos contínuos em tratamentos de alta complexidade. Segundo informações do site oficial do Governo Federal, o orçamento destinado à atenção especializada do Ministério da Saúde aumentou 34% entre 2022 e 2024, saltando de R$ 54,9 bilhões para R$ 74,7 bilhões no último ano. Esse recurso é aplicado em serviços como quimioterapia, transplantes e exames especializados, ampliando o acesso da população a atendimentos fundamentais.
O cuidado prestado pelo SUS também se revela fundamental em áreas que, muitas vezes, são negligenciadas, como, por exemplo, a saúde mental e o acolhimento emocional de quem enfrenta situações extremas, como um diagnóstico de câncer ou a vivência em contextos de vulnerabilidade social. Para a psicóloga Jamille Coimbra, que atua na rede pública há mais de 10 anos, o segredo de um acompanhamento eficiente está no fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e na escuta ativa das pessoas dentro de seus próprios territórios.
“Não é só ter um psicólogo disponível em um consultório. É preciso vínculo, conhecimento da realidade daquela pessoa, da sua família, do bairro em que vive. Isso também é cuidado em saúde mental”, explica. “A gente precisa de equipes bem preparadas, integradas, com suporte técnico, porque o sofrimento não é só individual. Ele fala de uma estrutura, de uma sociedade, e precisa ser tratado como tal.”
Além dos atendimentos individuais, a atuação da psicologia no SUS se estende a grupos terapêuticos, oficinas e espaços coletivos de escuta, que, segundo Jamille, são essenciais para a construção de novas narrativas sobre a dor e a superação. “Quando eu tô sofrendo e vejo que você também sofre como eu, ou que a sua história me inspira a repensar a minha, isso é extremamente rico. O SUS precisa apostar na coletividade como forma de cuidado.”, conclui.