A voz que revitaliza a cultura capixaba

Uma trajetória que ecoa tradição, inovação e orgulho da cultura do Espírito Santo

Acsa Helena

A literatura produzida no Espírito Santo tem raízes profundas e vozes potentes, entre elas, destaca-se José Roberto Santos Neves, hoje com 53 anos. Criado em um ambiente familiar imerso em literatura e tradição, ele é herdeiro de um verdadeiro patrimônio cultural capixaba. Neto do renomado folclorista Guilherme Santos Neves, fundador da Comissão Espírito-Santense de Folclore nos anos 1940, e sobrinho dos escritores Reinaldo e Luis Guilherme Santos Neves, que tiveram presença significativa na ficção brasileira, José Roberto cresceu cercado por livros e narrativas que celebravam as manifestações populares do seu estado. 

“Eu posso afirmar sem sombra de dúvidas que eles estão entre os maiores escritores de ficção não só do Espírito Santo, mas do Brasil”, comenta. Essa herança literária, porém, não o prende ao passado. José Roberto construiu uma trajetória própria, unindo literatura, jornalismo, música e pesquisa. Ao mesmo tempo em que reconhece e valoriza os nomes que vieram antes, ele trilha um caminho singular, ampliando os horizontes da cultura capixaba por meio de uma escrita que dialoga com diferentes linguagens e sensibilidades. Sua obra transita com naturalidade entre o rigor da investigação e a leveza da crônica, revelando um autor comprometido não apenas com a documentação da história, mas com o pulsar vivo da identidade local.

O ponto de partida da carreira como autor veio em 2005, com a biografia da cantora Maysa, lançada pela coleção “Grandes Nomes do Espírito Santo”. Foi um trabalho de fôlego, cercado de obstáculos: o filho da artista, o diretor Jayme Monjardim, recusou-se a conceder entrevista, e a Editora Globo já preparava sua própria biografia oficial. Em vez de desistir, o escritor apostou no que sabia fazer melhor, buscando fontes alternativas, histórias esquecidas e personagens anônimos que cruzaram a vida da artista. “Eu fui atrás dos primos da Maysa que moram aqui, de amigos da juventude, de quem realmente a conheceu em Vitória”, conta. A obra é, até hoje, referência sobre as origens da cantora, resgatando sua relação afetiva com o Espírito Santo, uma faceta ignorada até pela minissérie televisiva “Maysa: quando o coração fala” produzida pela Globo.

Esse compromisso com a cultura capixaba está presente em toda a sua obra. José Roberto publicou livros como “Sons da Memória”, no qual mapeia 40 discos marcantes da música feita no Espírito Santo, e “Diários do Rock in Rio”, onde, mesmo narrando a história de um festival global, adota abertamente o ponto de vista de “um jornalista do Espírito Santo no maior palco musical do mundo”. Para ele, escrever é documentar, é preservar vozes e sons que correm o risco de desaparecer na poeira do tempo.

Sem dúvida, um dos maiores retratos de sua paixão pela música e pela escrita é o livro MPB de Conversa em Conversa, nascido de entrevistas desafiadoras, como a de Ângela Rô Rô, que, a princípio, se recusou a falar com ele por telefone. “Ela desligou na minha cara”, lembra, rindo. O episódio o levou a compilar 40 conversas com grandes nomes da MPB, reunindo os bastidores que nunca cabem nas matérias do jornal.

Apesar de ter lançado alguns de seus livros em palcos cariocas e paulistas, com cobertura da mídia nacional, José Roberto decidiu permanecer no Espírito Santo. “Acredito que existe, sim, espaço para os autores capixabas no cenário nacional. Mas, para isso, é essencial que o escritor tenha esse projeto, essa ambição. Conheço autores talentosos aqui no estado que optaram por não sair de Vitória e permaneceram em um lugar confortável. No meu caso, lancei livros no Rio, e em São Paulo, tive espaço na mídia, mas, por questões pessoais, optei por continuar no Espírito Santo”, explica.

Para ele, a qualidade da obra é o que abre portas, mas é preciso querer atravessá-las. Sua presença na Academia Espírito-Santense de Letras e no Instituto Histórico e Geográfico do ES é apenas uma faceta institucional de uma vivência mais profunda, ele respira cultura capixaba diariamente, e sua produção se entrelaça com ela em todos os aspectos, da literatura à música, ao audiovisual.

A identidade capixaba não é apenas origem, é impulso criativo. Essa conexão profunda com sua terra o inspira a seguir explorando novos caminhos. E o mais ambicioso deles? Uma obra sobre Clara Nunes, uma de suas cantoras favoritas. “Ainda não sei se será uma biografia ou um ensaio crítico, mas está no meu radar. É o meu maior sonho literário hoje.”

Ao unir o rigor jornalístico com a leveza e a sensibilidade da literatura, José Roberto Santos Neves trilha um caminho próximo ao de autores como Ruy Castro, de quem, aliás, se declara admirador. Mas o que confere singularidade à sua trajetória é o enraizamento afetivo e intelectual em sua terra natal. Seu olhar é atento às vozes locais, às histórias que brotam fora dos grandes centros e aos detalhes que costumam escapar às narrativas mais convencionais. Em um Brasil que ainda precisa reconhecer plenamente a riqueza de sua diversidade regional, José Roberto surge como uma voz necessária, um escritor que escreve para o mundo, sim, mas sem jamais deixar de ser capixaba, por escolha, por convicção e por pertencimento. Sua obra é, ao mesmo tempo, espelho e ponte: reflete o Espírito Santo e o conecta a um Brasil mais amplo, plural e atento às margens.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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