Entre palavras e paradas: Biblioteca Transcol retorna aos terminais da Grande Vitória 

Com acervo múltiplo, cultura e literatura gratuita, a biblioteca impacta milhares de passageiros que passam diariamente pelos terminais

O que começou como uma pequena banca de revistas em agosto de 2007, hoje pulsa como um coração literário no vai e vem da rotina. A Biblioteca Transcol nasceu discreta, em um canto do terminal, cercada por pressa. E foi justamente ali, onde ninguém esperava literatura, que fincou sua raiz mais forte: entre o ir e vir de quem tem pouco tempo mas muita sede para o olhar literário. 

Naquele início tímido do projeto, uma dúvida maior pairava: será que o capixaba gosta de ler? A resposta veio rápida. Em três anos, a ideia da Biblioteca Transcol cresceu e se espalhou pela região da Grande Vitória. De um único ponto a dez terminais, de uma banca a contêineres maiores. E não demorou para que os olhos antes voltados apenas aos relógios e itinerários começassem a se perder entre fantasias, mangás, memórias, fantasias e conselhos.

Entre 2007 e 2025, o projeto passou por diversas transformações e precisou ser interrompido em 2020, durante a pandemia. Segundo o presidente da OSC Universidade Para Todos, Rodrigo Trazzi, que atua na gestão da iniciativa, o impacto, até então, já era expressivo. “Quando o serviço foi interrompido por conta da pandemia, o projeto já havia alcançado mais de 40 mil usuários cadastrados e cerca de 280 mil atendimentos por ano. Isso mostra a força da Biblioteca Transcol e como ele foi bem recebido pela população.” 

A Biblioteca Transcol se consolidou a partir daquele momento, como um marco de incentivo à leitura no Espírito Santo, oferecendo acesso gratuito e democrático à literatura em espaços de circulação intensa. “É uma biblioteca pública em um lugar onde as pessoas estão de passagem, e mesmo assim, elas param, pegam um livro, leem, devolvem, recomendam. Isso muda a relação das pessoas com o espaço público e com a leitura”, destaca Rodrigo. 

O projeto surgiu com o objetivo de aproximar a comunidade do acesso gratuito e facilitado à literatura. Como fruto dessa iniciativa, nasceu a Biblioteca Transcol, um espaço dedicado à promoção da leitura e à democratização do conhecimento.

Acesso à leitura

No Brasil, 53% da população afirma não ter lido nenhum livro, seja impresso ou digital, nos três meses anteriores à Sexta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil do Instituto Pró-Livro. A perda foi de quase 7 milhões de leitores nos últimos quatro anos. O cenário é ainda mais preocupante quando se observa a leitura de livros inteiros: 73% dos brasileiros, 148 milhões, não completaram nenhuma leitura.

O Instituto Pró-Livro revelou em 2024 que, apesar de pequenos avanços, a situação da leitura no Brasil ainda é preocupante. Estima-se que pouco mais da metade da população brasileira seja considerada leitora regular. Isso inclui aqueles que leem ao menos partes de um livro a cada três meses. Embora a média de livros lidos tenha aumentado, ao excluir os livros didáticos, esse número cai drasticamente.

Diante desses dados, a relevância do projeto torna-se ainda mais evidente: promover o acesso democrático à literatura é um passo essencial para reverter esse cenário e fortalecer a cultura leitora no Brasil. A estudante de Biblioteconomia, Thâmara Gêja reafirma essa importância.Por estarem situadas em locais onde as pessoas precisam passar diariamente, as bibliotecas acabam se tornando uma pausa na rotina pesada. Elas oferecem um momento de lazer e cultura no meio das tarefas e responsabilidades do dia a dia do trabalhador.”

O auxiliar de serviços gerais Rafael Oliveira, 29 anos, morador da Serra, conheceu o projeto por acaso, numa manhã comum a caminho do trabalho. Ele costuma pegar dois ônibus até chegar ao serviço, e sempre aproveita os minutos de espera no Terminal de Laranjeiras para tomar um café e observar o movimento. “Um dia, enquanto esperava o coletivo, reparei nas prateleiras cheias de livros e revistas coloridas. Vi um mangá, reconheci o nome de um desenho que assistia quando era criança e resolvi levar para casa”, conta.

A volta aos terminais 

Em 2025, a retomada da Biblioteca Transcol trouxe lembranças a quem um dia já utilizou o projeto para criar memórias entre viagens de ônibus. Os primeiros passos dessa nova fase começaram nos terminais de Jardim América, em Cariacica, e Laranjeiras, na Serra, duas das maiores rotas de circulação da Grande Vitória. Em menos de duas semanas de funcionamento conjunto, as unidades já registraram 717 leitores cadastrados. “Agora, com a reabertura das unidades, estamos trabalhando para reconstruir a base de leitores pouco a pouco. Mas a aceitação pública está sendo muito boa”, destaca o Presidente da OSC Universidade Para Todos.

Mais do que colocar livros à disposição, o projeto aposta em uma curadoria cuidadosa e adaptada ao público real dos terminais. A seleção é feita por bibliotecários da Biblioteca Pública Estadual e por Igor Souza, profissional dedicado exclusivamente à Biblioteca Transcol. A equipe cruza informações sobre hábitos de leitura com dados da Câmara Brasileira do Livro e o comportamento dos empréstimos nas unidades.

O resultado é uma estante plural: literatura brasileira e estrangeira, livros de autoajuda, poesia, biografias, mangás e títulos infantis convivem lado a lado. “A ideia é ser bem diverso, de modo que qualquer pessoa se sinta à vontade consultando as estantes”, afirma Rodrigo, que também garante a reposição contínua dos exemplares com base na demanda e no estado de conservação.

Além disso, os livros de autores capixabas ganham cada vez mais espaço. “Também vale dizer que já temos um bom número de obras de autores capixabas, e esse número tende a crescer ao longo do projeto”, adiciona. 

A disponibilidade gratuita de livros muda a relação da população com a literatura.  A proposta de levar leitura a espaços de circulação cotidiana tem mostrado impacto direto na vida das pessoas. Thâmara, moradora da Serra, é uma das leitoras que se reaproximaram dos livros por conta da praticidade do projeto. “A possibilidade de ter uma biblioteca com um acervo atual e diverso no caminho para o trabalho ou para a aula me aproxima da leitura, simplesmente por ser mais prático do que ter que desviar da minha rota para ir até uma biblioteca tradicional”, relata.

Esse acesso democrático à cultura é um dos pilares da retomada, que se propõe a ser um instrumento de inclusão, não apenas pela gratuidade, mas também pela presença nos espaços urbanos mais comuns à população capixaba.

Mesmo com poucos dias de funcionamento, o perfil dos títulos mais procurados já começa a se desenhar. Entre os mais lidos estão clássicos da literatura brasileira como A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, e Lúcia McCartney, de Rubem Fonseca. O público jovem, por sua vez, tem levado para casa mangás como Dandadan, Demon Slayer, One Piece e Death Note. Títulos contemporâneos como A Biblioteca da Meia-Noite, A Menina que Roubava Livros e Ainda Estou Aqui também aparecem entre os favoritos.

O futuro do projeto 

A nova fase da Biblioteca Transcol não se limita à volta. A Secretaria da Cultura (Secult), a Biblioteca Pública Estadual e a Ceturb articulam uma modernização completa do projeto. Isso inclui nova identidade visual, presença nas redes sociais, sistema de cadastro online e realocação inteligente do acervo com base nos interesses locais.

“O governador [Renato Casagrande] já manifestou interesse em colocar um módulo do projeto na Rodoviária de Vitória, que passa por obras, e a Secult está tratando disso com todo carinho. A ideia é manter o que sempre funcionou – o acesso fácil ao livro – e ao mesmo tempo renovar a experiência de quem passa pelo terminal”, afirma a gestão do projeto.

O projeto Biblioteca Transcol é uma realização da Secretaria da Cultura (Secult) e da Biblioteca Pública do Espírito Santo (BPES), em parceria com a Associação Universidade para Todos, selecionada por chamamento público, apoio da Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Estado do Espírito Santo (Ceturb), e conta com recursos da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) do Ministério da Cultura (MinC).

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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