“Trabalha, confia e torce” — Os capixabas que levaram o Espírito Santo à Copa do Mundo de Clubes nos EUA

Com a camisa dos seus clubes e a bandeira do estado nas mãos, torcedores do Espírito Santo cruzaram fronteiras para viver de perto o sonho do Mundial de Clubes. Em meio a arquibancadas lotadas e estádios imensos, eles fizeram ecoar um sotaque familiar em solo americano.

Entre os dias 14 de junho e 13 de julho, os Estados Unidos receberam uma das maiores competições do futebol mundial: a Copa do Mundo de Clubes da FIFA. Times de cinco continentes disputaram o título de melhor do planeta, enquanto torcedores brasileiros, acostumados a eventos esportivos grandiosos, viram no torneio uma chance única — não apenas para acompanhar os jogos, mas para se conectar com outras histórias e lugares.

No meio dessa multidão global, um grupo especial de torcedores ganhou destaque: os capixabas. Pessoas vindas do Espírito Santo que decidiram atravessar o oceano, atravessar fusos horários e enfrentar o desafio de torcer em solo estrangeiro para levar a voz e a identidade do seu estado para os maiores estádios do mundo.

O Espírito Santo, tradicionalmente pouco representado nas grandes manchetes do futebol brasileiro, mostrou seu poder simbólico nas arquibancadas americanas. Um desses momentos foi protagonizado por Bruno Salles Pereira, programador de 44 anos, natural de Vila Velha e residente em Orlando, na Flórida.

Durante o intervalo da partida entre Flamengo e Chelsea, em Filadélfia, Bruno abriu com orgulho a bandeira azul, branca e rosa do Espírito Santo, que traz o lema “Trabalha e Confia”. Para muitos, pode parecer apenas um pedaço de pano; para Bruno, foi um gesto de afirmação.

Programador Bruno Pereira com a Bandeira do ES – Foto: Arquivo pessoal

“Eu cresci em Vila Velha, jogando bola na rua, torcendo pro Flamengo com meu pai e vendo o Espírito Santo ser sempre esquecido nos grandes eventos. Morando aqui nos Estados Unidos há alguns anos, senti que essa era a minha chance de representar. Quando abri a bandeira do nosso estado no meio do estádio lotado, foi como se eu estivesse dizendo: ‘a gente existe, a gente tá aqui’. Aquilo não era só sobre futebol, era sobre identidade. Sobre pertencimento. Foi emocionante demais, algo que vou guardar pra sempre”, explicou Bruno.

Esse gesto repercutiu nas redes sociais e entre os capixabas que acompanhavam o torneio. A presença da bandeira chamou atenção e fez com que outros torcedores se aproximassem, gerando encontros espontâneos e conexões que só o futebol proporciona.

Família, futebol e memória

Enquanto Bruno carregava a bandeira com emoção, outro capixaba dava um passo ainda maior: transformar o Mundial de Clubes numa experiência familiar. Victor Caldeira, empresário de Vitória, viajou com a esposa, os filhos, a mãe e amigos para acompanhar o Flamengo em seus jogos nos Estados Unidos.

Victor Caldeira, com a esposa e os filhos acompanhando o Mundial de Clubes – Foto: Arquivo Pessoal

“Essa viagem foi um sonho. Eu, minha esposa, meus filhos, minha mãe… fomos todos juntos. A gente esperava há muito tempo por uma oportunidade assim. Quando soubemos que a Copa do Mundo de Clubes ia ser nos Estados Unidos, decidimos que era agora. E não foi só pelo Flamengo, foi por viver isso juntos. Teve jogo, claro, mas teve também passeio, conversa, emoção e choro no estádio. Meus filhos talvez não se lembrem de todos os detalhes quando crescerem, mas vão lembrar do que sentiram. Isso não tem preço”, contou Victor.

Para ele, o futebol foi uma ponte que uniu gerações, renovou laços e criou memórias afetivas que ultrapassam a mera competição esportiva. A torcida virou uma festa familiar que, longe do Brasil, ganhou ainda mais valor.

A voz do Espírito Santo na multidão

Além de Bruno e Victor, muitos outros capixabas estiveram nos jogos em Orlando, Filadélfia e Nova Jersey, espalhados entre as torcidas do Flamengo, Fluminense e até do Mamelodi Sundowns — o time sul-africano que contou com o capixaba Arthur Sales no elenco.

Entre médicos, estudantes, jornalistas e trabalhadores que vivem nos Estados Unidos, as arquibancadas ganharam um tom diferente, um sotaque que, de vez em quando, fazia ecoar um “capixaba na área” nos estádios.

“Eu sabia que levar a bandeira do Espírito Santo podia parecer simples pra quem não conhece nossa história. Mas pra mim foi como levar um pedaço da minha origem. E quando vi gente filmando, gente chorando, gente gritando ‘é do ES!’, percebi que não era só sobre mim. Era sobre todos nós que viemos desse estado tão fora do radar, mas cheio de paixão”, conta Bruno.

O sentimento foi o mesmo entre grupos informais de torcedores, que se encontravam para trocar histórias, cantar juntos e dividir a emoção de ver seus times em um palco tão grandioso.

Futebol e pertencimento: reflexões para além do campo

Para Victor e Bruno, o futebol é mais do que esporte — é uma forma de expressão cultural, uma linguagem que ultrapassa fronteiras e que fortalece a identidade pessoal e coletiva. No caso dos capixabas, a viagem ao Mundial de Clubes foi uma oportunidade de reafirmar seu lugar no mundo.

O Espírito Santo, estado conhecido por sua natureza exuberante e por ser “fora do eixo” das grandes capitais brasileiras, raramente tem seu protagonismo no futebol reconhecido. Ainda assim, a paixão pela bola é enorme e presente em cada canto do estado.

Essa mobilidade dos torcedores capixabas para os Estados Unidos não é apenas uma aventura esportiva, mas uma afirmação política e cultural: mostrar que, apesar do pouco destaque midiático, o ES tem sua voz, seu orgulho e sua torcida.

A experiência dos torcedores no exterior

Viver o Mundial de Clubes em solo americano também significou para muitos um choque cultural, um encontro com uma nova realidade. Estádios modernos, diversidade de públicos, sistemas organizados e a mistura de idiomas foram parte da experiência.

Victor Caldeira comenta que, mesmo distante, a atmosfera fez com que ele e sua família se sentissem perto do Brasil.

“Era engraçado ouvir o português se misturando com o inglês, ver famílias de diferentes países torcendo juntas, mas com aquela chama brasileira acesa. Meus filhos brincavam com outras crianças que também falavam português, e a gente sentia que estava ali representando algo maior”, afirmou Victor.

Além disso, a oportunidade permitiu a muitos a experiência de viagens internacionais e contato com culturas diferentes — o que torna o futebol um instrumento de aprendizado e troca cultural.

O que fica para o Espírito Santo?

Embora o estado não tenha tido times na competição, sua presença foi sentida nas arquibancadas e nas redes sociais. O gesto da bandeira, os encontros entre torcedores, as histórias de famílias unidas pelo esporte e as narrativas pessoais mostram que o Espírito Santo é mais do que apenas um estado “de passagem” no mapa do futebol brasileiro.

Para o jornalista e torcedor capixaba Humberto Gomes, que acompanhou parte da competição, esses relatos refletem uma mudança:

“Ver capixabas nos estádios da Copa do Mundo de Clubes mostra que nossa torcida não é invisível. É um passo para que possamos ser reconhecidos, para que o futebol capixaba ganhe espaço na mídia e no coração dos brasileiros”, explica.

A participação capixaba no Mundial de Clubes pode ser o pontapé inicial para uma maior valorização do futebol local e da torcida no Espírito Santo. O fortalecimento dos clubes locais, como Rio Branco, Desportiva e Vitória, e a valorização da cultura da torcida são essenciais para que o ES ocupe mais espaço nas narrativas esportivas nacionais e internacionais.

Enquanto isso, histórias como as de Bruno, Victor e tantos outros torcedores que cruzaram o continente permanecem como símbolo de resistência, paixão e pertencimento.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

Contato