Os ditos “vovôs” em alta performance tem aumentado no futebol brasileiro com o avanço da ciência do esporte
Nos últimos 10 anos, com o avançar da ciência do esporte, a longevidade dos jogadores profissionais de futebol tem aumentado. Não é apenas continuar atuando em campo, mas conseguir competir em alto nível. O maior exemplo de veterano em ótima performance é o português Cristiano Ronaldo, 40 anos, defende o Al-Nassr, é capitão da Seleção Portuguesa e foi campeão recentemente pela Liga das Nações
Os vovôs estão on
O Brasileirão, neste ano, iniciou com 49 atletas jogadores +35 em 16 dos 20 clubes da Série A. Segundo o Censo do Brasileirão do GLOBO, na edição de 2025, a média de idade dos elencos é de 25,8 anos. Com média de 27,89, o Mirassol é quem tem o time com faixa etária mais alta da série A.

De 2015 até a atual temporada, a elite do futebol nacional teve 476 jogadores nessa faixa etária. A partir de 2017, em especial, o crescimento ganha corpo, alcançando o ápice em 2024. O Fluminense é alvo de piadas pelos torcedores atualmente, que o consideram o “time de aposentados”, devido ao fato de ser o que abriga mais contratações 35+ entre os times do Brasileirão, como Thiago Silva (40 anos), Germán Cano (37 anos), Samuel Xavier (35 anos), Manoel (35 anos), Ganso (35 anos), Keno (35 anos), Thiago Santos (35 anos) e Fábio (44 anos), o mais velho do campeonato. O que esses “zoadores” não contavam era o excelente desempenho que o “cemitério de aposentados” ia ter no Mundial de Clubes, classificado para a semifinal com atuação de quatro veteranos entre os titulares e eliminando grandes da Europa.

Mais próximo, no Espírito Santo, também temos veteranos atuando pelo principal clube, o Rio Branco: os goleiros Fernando Henrique, 41 anos, e Neguete, 35 anos, o volante Bruno Silva, 38 anos, o meia Ricardinho, 35 anos, e o atacante Maranhão, 35 anos.
Manter um medalhão no clube é ter uma liderança entre os jogadores. Eles se tornam referências dentro e fora de campo. São eles que mantêm o equilíbrio emocional do time em momentos de pressão, orientam os mais jovens, dão o exemplo de dedicação e se tornam “auxiliares de campo”. Já viralizaram diversas histórias positivas na mídia de como o jogador David Luiz, 38 anos, atualmente no Fortaleza, ajudou com seus conselhos aos colegas de profissão.
Genética ou preparação física?
Para que cheguem nesse nível de alta performance esses atletas normalmente adotam rotinas de cuidados extremos com o corpo e a mente, o que naturalmente implica renunciar a alguns prazeres que não são compatíveis com esse padrão de exigência.
O professor Rodrigo Aquino, líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ciências no Futebol da Ufes, um dos 10 cientistas do esporte da América Latina com maior número de publicações relacionadas ao futebol, apontou que são as escolhas diárias, muitas vezes silenciosas e solitárias, que definem quem consegue seguir em alto nível por mais tempo.
“Não se trata de fórmulas prontas ou “receitas de sucesso”. O diferencial está justamente na constância. É essa regularidade, quase invisível aos olhos de quem vê apenas o treino ou a competição, que realmente sustenta uma carreira de alto rendimento. E é por isso que tão poucos conseguem se manter no topo. Além do preparo físico e técnico-tático, é preciso ter muita força mental, foco e comprometimento”.
Essa gestão profissional da carreira, antes rara, agora é um diferencial decisivo. Desde as categorias de base, é necessário investir em fisioterapia, nutrição, treinamentos personalizados e descanso adequado. Os clubes estão cada vez mais preocupados em não esgotar o seu plantel e, hoje, buscam uma metodologia de treinamento que cause o menor dano possível e preserve os atletas. O cientista acredita que não é somente começar mais cedo, mas ter uma formação de base.
“Não existe exatamente uma “idade limite”, mas é fundamental que a carreira de um(a) jogador(a) de futebol respeite algumas etapas de desenvolvimento. A literatura científica, especialmente os estudos do pesquisador canadense Jean Côté, uma referência internacional na Ciência do Esporte, aponta que o caminho até o alto rendimento geralmente envolve duas fases principais: os anos de experimentação: normalmente iniciados por volta dos seis anos de idade, e os anos de investimento: iniciam-se, em geral, entre os 10 e 11 anos, com uma dedicação mais consistente”, disse Aquino.
Ele também listou alguns avanços baseados em estudos atualizados que tem se mostrado eficaz para prolongar a vida útil no esporte de alto rendimento.
“Isso se deve a uma combinação de fatores científicos e tecnológicos: o controle individualizado da carga de treinamento; a nutrição e suplementação esportiva personalizada; e as metodologias de treinamento. Hoje, treina-se com base em evidências científicas, inclusive, no que diz respeito à força e potência muscular. Há uma verdadeira revolução nas estratégias de recuperação. Atletas de elite contam com recursos como compressão pneumática, fotobiomodulação, imersões em água fria ou quente, estimulação elétrica neuromuscular, técnicas de regulação emocional, cuidados com o sono e muito mais”.
A geração de 80 e 90 do Brasil é reconhecida pela capacidade técnica diferenciada, ainda que sua capacidade física seja limitada, o que é compensado com atalhos técnicos. Afinal, a genética seria o principal fator desse sucesso? Para o professor não. “Venho desenvolvendo pesquisas e reflexões a partir de uma perspectiva que rompe com a ideia de que o talento esportivo é algo exclusivamente inato. Em vez disso, defendo que o desempenho de alto nível e, mais desafiador ainda, a permanência nesse patamar ao longo dos anos depende, sobretudo, da interação entre o sujeito e o ambiente. Quando analisamos a trajetória de atletas veteranos(as) de elite, é comum encontrarmos histórias marcadas não por “genes excepcionais”, mas por uma combinação de esforço, consistência, aprendizado ao longo do tempo e boas condições de desenvolvimento.”, explicou.