Leão XIV e os rumos do Vaticano no cenário global
A fumaça branca que se ergueu da chaminé da Capela Sistina em maio de 2025 não anunciou apenas um novo líder espiritual para os católicos do mundo. Com a escolha do norte-americano Robert Prevost, agora Papa Leão XIV, o Vaticano inicia uma nova fase que pode redefinir sua atuação política internacional. Se o papado de Francisco ficou marcado por uma agenda progressista em defesa do meio ambiente, da paz e dos direitos humanos, a chegada de Leão XIV levanta dúvidas: haverá continuidade ou ruptura?
Para o doutor em Ciências da Religião e professor aposentado da Ufes, Edebrande Cavalieri, o Vaticano segue sendo um ator político de relevância global. Ele ressalta que, ao longo da história, a Igreja Católica influenciou decisivamente a política mundial, de João Paulo II, na queda do comunismo, à atuação de Francisco em crises humanitárias e ambientais. Agora, com Leão XIV, a Igreja se reposiciona diante de um cenário internacional marcado por conflitos armados, mudanças climáticas e polarização ideológica.
Paz, justiça e verdade
A escolha de um papa norte-americano, com cidadania peruana e atuação pastoral marcada por simplicidade e acolhimento, surpreendeu e gerou simbolismos. Frei Gabriel, que atua como Guardião do Convento da Penha, destaca que os primeiros gestos do novo pontífice revelam uma liderança mais contemplativa e silenciosa, mas não menos potente. Para ele, o modo como Leão XIV se emocionou diante dos fiéis e saudou o povo de sua antiga diocese no Peru demonstra um estilo pastoral, mas também atento às questões sociais e diplomáticas que envolvem a Igreja.
No campo político, os sinais iniciais são claros. A primeira reunião de Leão XIV com diplomatas internacionais foi marcada pelas palavras “paz”, “justiça” e “verdade”. Para Cavalieri, essa tríade revela o caminho que o pontificado pretende seguir. Ele avalia que, diante de guerras como as da Ucrânia e da Faixa de Gaza, o novo Papa defende uma paz ativa, desarmada e desarmante, que passa pela justiça social e pela reconstrução de laços entre os povos.
Esse tipo de diplomacia ativa já é uma tradição do Vaticano, mas ganha novo fôlego com Leão XIV. Sua atuação política tem o potencial de interferir em debates sobre governança global, especialmente em temas como migração, meio ambiente e direitos humanos. O professor destaca que o Vaticano tem voz própria nas Nações Unidas e representa uma moralidade que atravessa fronteiras. As falas do Papa influenciam cúpulas internacionais e disputas de poder.
O novo Papa e os Estados Unidos
Outro ponto de atenção será a relação entre o novo papa e os Estados Unidos. Embora Leão XIV tenha vivido por décadas na América Latina, sua nacionalidade americana gera expectativas quanto à sua postura diante de figuras como Donald Trump, atual presidente americano. Cavalieri acredita que Leão XIV tende a confrontar a visão unilateralista de Trump com uma política externa baseada na multilateralidade e no diálogo entre nações. Ele levanta ainda um ponto curioso: como será a recepção de um papa norte-americano em um país que, internamente, vive uma profunda divisão entre setores da própria Igreja?
Frei Gabriel observa que a escolha de Leão XIV atende a uma necessidade política da Igreja: equilibrar o perfil pastoral e popular de Francisco com um conhecimento profundo das estruturas de poder do Vaticano. Ele acredita que o novo pontífice terá o desafio de navegar entre diferentes expectativas: de um lado, os fiéis que esperam proximidade e acolhimento; de outro, os setores da Igreja e do mundo que exigem habilidade diplomática para lidar com temas controversos como desigualdade social, ecologia e guerras.
A escolha do nome “Leão” também carrega significados históricos. Leão XIII, papa do século XIX, marcou a doutrina social da Igreja diante das contradições da Revolução Industrial. Já Leão Magno, no século V, foi diplomata hábil em tempos de crise. Para Cavalieri, o novo papa se insere nessa linhagem de líderes que negociam a paz e defendem os mais pobres. O simbolismo é forte. Leão XIV parece mirar tanto a espiritualidade quanto a política, com base em princípios de justiça e fraternidade.
Apesar do catolicismo manter posturas conservadoras em temas como sexualidade e ordenação feminina, Leão XIV deve buscar ampliar o acolhimento dos diversos setores sociais dentro da Igreja. Para Frei Gabriel, a fé precisa dialogar com os dilemas do mundo atual, e a Igreja, ainda que não partidária, tem o dever de se posicionar frente às injustiças sociais e ambientais. A doutrina social católica, afirma ele, continuará a ser uma referência importante para orientar a atuação da Igreja no campo político, não apenas religioso.
A eleição de Leão XIV não é apenas a troca de um líder espiritual. É uma movimentação estratégica no xadrez global, com efeitos que podem atingir desde as relações entre potências até os debates sobre o futuro do planeta. Seus próximos passos dirão se ele será lembrado como um continuador das reformas de Francisco ou como alguém que trilhou novos caminhos, com prudência, espiritualidade e diplomacia.