A evolução das máquinas e as transformações do jornalismo

Da informatização das redações de jornais à assimilação dos recursos de Inteligência artificial não é apenas de poder, do tempo e da linguagem.

Discutir tecnologia no jornalismo é falar sobre instrumentos que transformam a forma de pensar, produzir e disseminar informação. Nas últimas décadas, o jornalismo passou por mudanças profundas nos meios de produção, saindo de uma técnica linear e mecânica para adentrar fluxos digitais, automatizados e, mais recentemente, mediados por inteligência artificial.

Essa transição, discreta em seus primeiros momentos, hoje suscita preocupações evidentes. O que muda não é apenas a rapidez na criação de conteúdo, mas a própria essência do trabalho jornalístico. A inteligência artificial vai além da execução de tarefas: ela interpreta, prevê e, em certa medida, toma decisões. Na prática, a evolução das máquinas representa também uma reestruturação de poder, tempo e linguagem nas redações. A informatização incorporou editores de texto, bancos de dados, softwares de edição e plataformas digitais que reformularam toda a rotina de apuração e publicação. Atualmente, sistemas que sugerem títulos, elaboram resumos e indicam estruturas narrativas tornam o processo mais complexo e menos linear.

Ferramentas como assistentes de texto e sistemas automatizados fazem parte do cotidiano de muitos veículos. Algumas redações já utilizam algoritmos para produzir reportagens sobre diversos temas.

Como ressalta a professora de Jornalismo da Ufes Ruth Reis, em artigo intitulado Robôs falantes, inteligência artificial e impactos na comunicação, “essas ferramentas podem propagar preconceitos e comprometer ainda mais a qualidade e a confiabilidade da informação jornalística”. A máquina reproduz os dados e padrões dos textos usados em seu treinamento, e esses frequentemente contêm distorções humanas.

No mesmo artigo, Ruth também aborda a necessidade de transparência no uso de IAs para a produção jornalística. Ela identificou que, no Brasil, veículos de comunicação têm criado mecanismos, visando assegurar a transparência no uso de IA na produção de notícias. Entre eles, estão o Estadão, a Folha de São Paulo e a Rede Globo, que já adotaram documentos de autorregulamentação da IA. “Dessa forma, procuram criar condições para absorver essas ferramentas sem afetar ainda mais a confiança do público, já fragilizada desde o advento das mídias digitais e redes sociais”, afirma. O Digital News Report, pesquisa periódica do Reuters Institute, demonstra redução de confiança nas notícias, de 62% para 43%, no período de 2015 a 2024.

O ponto central, portanto, não é apenas o que essas tecnologias são capazes de realizar, mas o que devem realizar e sob quais parâmetros. A inteligência artificial não é neutra; ela funciona com base em escolhas humanas, dados historicamente eventualmente enviesados e objetivos nem sempre claros para o público. Conforme observa Ruth Reis, esse novo cenário “impõe desafios a uma sociedade midiatizada e conectada”, exigindo responsabilidade e senso crítico de todos os envolvidos na produção e no consumo da informação.

Mais do que resistir ou se render aos avanços tecnológicos, cabe ao jornalismo contemporâneo compreender a dinâmica dessas mudanças e se posicionar diante delas. O desafio está não apenas em dominar ferramentas, mas em preservar valores como ética, contextualização e escuta ativa. A inteligência artificial pode sugerir caminhos, mas é o jornalista quem decide qual história contar, como narrá-la e por quê.

Aos 35 anos, a Revista Primeira Mão participa desse debate como testemunha e agente das transformações. Sua trajetória acompanha a própria evolução do curso de Comunicação: da datilografia ao digital, das publicações impressas às narrativas multiplataforma. Nesse momento de transição, é importante reafirmar o compromisso de informar com clareza, ouvir com empatia e escrever com responsabilidade. Porque o jornalismo pode mudar de forma, mas sua essência continua sendo humana.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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