Quem é o dono da orla? A disputa entre banhistas e esportistas

A prática de esportes tem dominado as areias das praias da Grande Vitória e levanta o debate sobre o uso do espaço público.

Praia, mar e esporte: a paisagem típica das orlas tem mudado, nos últimos anos, com a prática de esportes como beach tennis, futevôlei e voleibol, que ganhou força e se espalhou pelas praias brasileiras. O crescimento acelerado dessas modalidades resultou na proliferação de arenas esportivas ocupando grandes faixas da areia e diminuindo o espaço para banhistas. 

Ao amanhecer e ao entardecer é possível observar na orla da capital do Espírito Santo redes no alto e atividades esportivas coletivas, seja essa prática em escolinhas ou em grupo de amigos. Mas, afinal, como se dá a  ocupação das areias das praias? Para se divertir nesses esportes é necessário cumprir algumas regras.

Direito de jogar

A legislação brasileira no seu art. 10, da Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988, classifica a faixa de areia como bem de uso comum, ou seja, é pública e deve servir ao interesse coletivo. No entanto, a instalação de estruturas fixas e logotipos de empresas depende de autorização em alguns municípios, e não é o que acontece na Grande Vitória.

O município da Serra não proíbe nem regulamenta a prática de esportes e lazer nas faixas de areia das praias, a prefeitura afirma que conta com o bom senso da população para que praticantes de esportes e banhistas convivam em harmonia nesse espaço. Em Vila Velha, também não há um decreto específico que determine horários e locais exatos. E a Prefeitura de Vitória, através do seu site, estabelece regras gerais para o uso das praias, incluindo áreas de lazer e atividades físicas, mas não há um decreto específico que cobre todos os detalhes. 

Já a cidade de Marataízes regulamenta desde 2023, pelo Decreto 3.320/2023, a prática de esportes e lazer nas faixas de areia das praias e a montagem das quadras e campos destinados a jogos, que somente poderão ser realizadas após expressa autorização. Essa permissão determina locais e horários para início e fim. 

Guarapari regulamentou o uso da faixa de areia em 2021, pelo Decreto 813/2021, na qual definia horários de acordo com a alta e baixa temporada, mas está em processo uma nova regulamentação. 

 “O uso da faixa de areia para atividades esportivas deve seguir as diretrizes estabelecidas pela legislação municipal em consonância com a União, por meio da Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Atualmente, o município está em processo de adesão ao Projeto Orla, que visa ordenar o uso dessas áreas, inclusive com diretrizes específicas para práticas esportivas”, disse Lennon Monjardim de Araújo, Secretário Municipal de Esporte e Lazer de Guarapari.

Depois de pronto o projeto, toda instalação de estrutura (como arenas ou equipamentos fixos) e a realização de aulas na faixa de areia requererá autorização prévia da prefeitura, mediante análise técnica das secretarias de Esporte, Meio Ambiente e Fiscalização. A autorização será limitada ao tempo e ao espaço de uso, variando de acordo com o evento ou atividade.

O interessado deverá formalizar o pedido informando localização, datas, horários e natureza da atividade. O projeto também deve prever a cobrança de taxa a depender do tipo de uso (temporário ou permanente).

“Após o projeto aprovado, a depender do tipo de uso pode ser exigido alvará de licença de uso ou termo de permissão precária. Em casos de uso continuado, o responsável poderá ser orientado a buscar uma concessão de uso formal, com cobrança de taxa, conforme regulamentação específica e análise da Procuradoria Municipal, afirmou o secretário.

Disputa amistosa?

Na Grande Vitória, os principais esportes que utilizam as quadras, ditas “arenas”, que invadiram a Orla de Camburi são o beach tennis e o futevôlei, porém, segundo o professor Patrick Batista, que tem uma escola de futevôlei em Jardim Camburi e utiliza uma destas arenas, as duas práticas não trazem conflito com os banhistas:

“Nós deixamos a rede lá no espaço para a população utilizar, e todos respeitam. Além disso, nossa escola possui a divisão entre beach tennis e futevôlei, cada um utilizando um dia”, informa o professor.

Um dos motivos do som das batidas na bola seguir ecoando pelas praias da Grande Vitória sem grandes problemas deve-se à separação de pontos para banho, como ocorre nas praias da Ilha do Frade, Guarderia, Curva da Jurema, Ilha do Boi e para a realização dos esportes, Orla de Camburi, em sua maioria. 

“Os espaços para essas atividades estão bem destinados na orla de Camburi, por ter uma boa extensão de areia, possibilitando essas atividades serem harmoniosas com os banhistas, não temos relatos recentes sobre conflitos!”, afirmou Roberto, coordenador-geral da Associação dos Moradores de Jardim da Penha.

Essa separação surge devido à contaminação das águas das praias de Jardim Camburi, o que a torna imprópria para banho e reduz o número de banhistas no local. Além disso, a praia de Camburi passou por diversas obras de aterro para conter a erosão causada pelo mar, o que aumentou a largura da orla, criando espaços propícios para o esporte. 

No entanto, nas praias de Guarapari o convívio não é tão amistoso, mas é feita uma fiscalização pela prefeitura, sendo a ocupação irregular sujeita a autuação e remoção.

“O município já recebeu algumas manifestações pontuais de banhistas, principalmente em períodos de alta temporada, solicitando ordenamento das estruturas. Tais situações reforçam a necessidade de planejamento e zoneamento para compatibilizar o lazer, o turismo e o esporte. A fiscalização sempre foi realizada pela Secretaria Municipal de Postura e Fiscalização, hoje Semic (Secretaria Municipal de Integração da Cidade), e quando necessário, com apoio da Secretaria de Esporte e do Meio Ambiente”, contou Lennon.

Fomento ao esporte

Apesar de ainda estarem encaminhando regulamentação de usos das arenas, os municípios apoiam a prática desses esportes. 

A Secretaria de Esporte e Lazer disponibiliza, dentro de sua capacidade orçamentária, apoio a eventos esportivos, por meio de empréstimo de materiais, cessão de espaços, apoio logístico e parcerias institucionais. Interessados devem formalizar suas solicitações com antecedência, apontou o secretário.

O professor Patrick alegou não ter dificuldades de conseguir a autorização necessária para a utilização do espaço, pois acredita que a prefeitura vê o fomento ao esporte como necessário para a população. 

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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