Luxo desmedido, censura e manipulação do jogo político‑judicial compõem a tríade que mantém o poder no campo, mesmo fora dele.

O Tribunal de Justiça do Rio destituiu Ednaldo por possível falsificação da assinatura do ex‑presidente Coronel Nunes, declarando “ilegítima” toda a diretoria. (Foto: Reprodução/CBF)
Na tarde de 4 de abril de 2025, Allan de Abreu assinava na Revista Piauí a reportagem que expunha os bastidores da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Cartões corporativos generosos, hoteis de luxo, grandes salários aos presidentes das federações e muito mais. Quatro dias depois, seis jornalistas da Entertainment and Sports Programming Network (ESPN) a colocaram em foco no programa “Linha de Passe”. Mas isto durou pouco. No dia seguinte, os jornalistas foram afastados da emissora. Nenhuma explicação convincente. Nos corredores da imprensa esportiva, a mensagem era clara: cutucou a CBF, leva vermelho.
A pressão da gestão Ednaldo sobre a emissora gerou críticas negativas, como o narrador Galvão Bueno, que pediu ao Ministério Público para que investigasse a CBF “em nome do futebol brasileiro”. Houveram declarações mesmo na ala conservadora, como o deputado federal Nikolas Ferreira. “Se for verdade que a CBF pediu providências à ESPN sobre fala de jornalistas, o nome disso é um só: censura”, declarou o deputado em suas redes sociais.
Mesmo sob críticas e condenações na justiça, a gestão seguia intacta. Não era a primeira vez que a confederação mostrava seu talento em virar o jogo. Por trás de contratações de gerar euforia, títulos de impacto ou dos feitos inéditos, vigoram os esquemas que não alcançam o grande público e onde até mesmo um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) se envolveu de forma negativa.
Pela porta da frente
Ao detalhar gastos de U$500,00 por dia com cartões corporativos, voos em primeira classe para parentes e hospedagens de nove meses no Grand Hyatt – um hotel cinco estrelas na Barra da Tijuca – pagas pela entidade, a reportagem da Piauí escancarou um ponto‑cegueira nacional: a CBF opera como uma corte absolutista, bancando mordomias com dinheiro que deveria irrigar a base do futebol brasileiro.
A mesma matéria revela que presidentes de federações estaduais, em vez de fiscalizar, foram premiados com reajustes que elevaram seus salários mensais de R$ 50 mil para R$ 215 mil. No fim, este não foi o interesse do público, mas na alteração de uma regra. Um dia após a medida que afastou os seis jornalistas da ESPN, a CBF regulamentou que todo jogador que fizesse o ato de parar sobre a bola – comum para as ditas “firulas” – estaria passível de punição. Vozes relevantes do futebol brasileiro como Neymar, Memphis e Felipe Melo, demonstraram indignação com a medida.
A porta girou. Em poucas horas, o debate sobre corrupção e mordomias deu lugar a discussões sobre a nova “regra bizarra”, consolidando mais uma cortina de fumaça.
Ednaldo Rodrigues assumiu a presidência da CBF em 2021 e foi destituído do cargo em dezembro de 2023 por decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro No processo movido por um grupo de cartolas, estava coronel Nunes, ex-presidente da confederação, que apontava ilegalidades na sua eleição.
Quando isso ocorreu, o ministro Gilmar Mendes, do STF, entrou em campo e assistiu Ednaldo, impondo uma liminar que devolvia o cargo ao dirigente. Breve veio à tona um contrato milionário de 84% da receita da CBF Academy, entre a CBF e o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), do qual Gilmar é sócio.
O cenário então veio a se repetir em 15 de maio de 2025, quando o mesmo Tribunal destituiu Ednaldo por possível falsificação da assinatura de Coronel Nunes, declarando “ilegítima” toda a diretoria e nomeando Fernando Sarney, filho do ex-presidente da República José Sarney.
Quatro dias depois, Ednaldo retirou o recurso que ainda poderia devolvê-lo ao cargo com o objetivo de “pacificar o futebol brasileiro”. Fernando Sarney, que passou a compor a CBF em 1998 como diretor de relações governamentais, já foi alvo da Polícia Federal, sendo indiciado por formação de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Tudo isto nos leva à conclusão: a CBF segue sendo liderada por cartolas controversos.
Um Jogo Sem VAR
Apesar de tudo, a CBF permanece intacta porque opera sob regras próprias. É uma das associações sem fins lucrativos mais lucrativas do país, com um registro de caixa de R$2,43 bilhões em dezembro de 2024. Por sua natureza jurídica, não deve satisfações ao Tribunal de Contas da União. Não está sob vigilância do Ministério Público, que somente age quando há alguma denúncia concreta. Seus dirigentes são eleitos majoritariamente por presidentes de federação — que vivem da mesada da própria entidade. Os clubes, que geram receita, têm pouco peso nas decisões.
Quando seus escândalos vêm à tona, a entidade distrai a torcida com regras esdrúxulas, silencia a imprensa com telefonemas e redesenha a partida com a ajuda de juízes fora do gramado. A trama não é recente, pelo contrário. Há denúncias registradas ainda na década de 90. Desde a época de Ricardo Teixeira, ex-presidente da confederação, a CBF está envolvida em corrupção, lavagem de dinheiro, negociação de propina e uma série de outros atos.
O problema da CBF não é apenas de gestão, mas sobretudo de impunidade, que é potencializada por esquemas e parcerias. Há sempre um lobo espreitando na sombra e, quando necessário, a porta gira mais uma vez.