Formados e frustrados: o desafio de entrar no mercado de trabalho


As mudanças no mundo do trabalho, a redução da oferta de vagas e os processos de formação geram mais insegurança para quem conclui o ensino superior.

Ciclos sempre se encerram. A faculdade, no início, é um novo mundo. Encontramos liberdade, maturidade e o desejo de sermos bem-sucedidos naquilo que cursamos. Mas, após anos dedicados a estudos intensos, noites mal dormidas, avaliações e projetos, a principal meta do formando é construir uma carreira sólida. Entretanto, essa expectativa, compartilhada por muitos universitários, muitas vezes não condiz com a dura realidade: o mercado de trabalho é dinâmico e, nem sempre, oferece vagas para todos.

Segundo uma pesquisa realizada em 2021 pelo Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube), uma organização que conecta estudantes a vagas de estágio e aprendizagem, menos de 15% dos recém-formados em 2019 e 2020 conseguiram emprego na sua área de formação nos três primeiros meses após a formatura. Com um mercado de trabalho em mudanças constantes, relações de trabalho mais fluidas e postos de trabalho precarizados, exercer uma profissão pode ser um desafio.

Graduanda em Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Karen Telles compartilha a vontade de não ser mais uma estagiária, mas teme integrar o mapa do desemprego.  “Aqui no estado existem muitas vagas de estágio, mas pouquíssimas com carteira assinada, o que torna angustiante estudar por quatro anos sem a certeza de conseguir um emprego na área”, afirma. Um semestre antes de se formar, ela lamenta a falta de preparação da própria universidade para o mercado de trabalho: “Nós somos muito mais direcionados para o meio acadêmico, com disciplinas muito teóricas e pouco práticas, sem sabermos qual a realidade dos empregos.”

Outros jovens têm se deparado com a mesma aflição. Dados levantados pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) mostram que a cada 10 graduados no Brasil, apenas um encontra emprego formal compatível com seu diploma. Recém-formada em Psicologia pela Multivix, Izabelly de Oliveira passou os anos de graduação alternando os estudos com a necessidade de trabalhar para se sustentar, o que apresentou dificuldades na procura por vagas.

“O único estágio que fiz foi o clínico, na faculdade. Como precisava trabalhar durante o dia, e estudar à noite, não consegui fazer um estágio, que muitas vezes oferecia um valor muito baixo, e insuficiente para me manter. Hoje, sinto a falta que esse estágio faz no meu currículo.”

As experiências de Karen e Izabelly revelam diferentes faces de um mesmo obstáculo: a distância entre a formação acadêmica e as oportunidades reais de trabalho.

Mas não é só isso. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 40% dos jovens do país não exercem atividades para as quais se especializaram. O trabalho como motorista de aplicativo, que bancou a faculdade de jornalismo do Felipe Sousa, hoje virou o sustento dele. Formado há quatro anos, ele ainda não conseguiu uma vaga na área. “Se eu falar para você que eu estou satisfeito com o aplicativo, eu estou mentindo. Mas hoje eu entendo que o aplicativo é uma oportunidade também de eu pagar minhas contas. Eu não posso viver de sonho só. Continuo sonhando e correndo atrás do que eu quero e vou chegar lá, mas eu entendo que o aplicativo hoje trabalha com a minha realidade”, relata Felipe Sousa, jornalista e motorista de aplicativo.

Seus relatos escancaram uma verdade incômoda, o diploma, por si só, já não é sinônimo de garantia profissional. Enquanto essa desconexão persistir, muitos jovens continuarão saindo da universidade com sonhos nas mãos, mas com o futuro envolto em incertezas. Mas nem tudo está perdido. Para a psicóloga especialista em recrutamento Flávia de Oliveira, após os períodos de dificuldade, uma oportunidade sempre aparece. “A paciência é a chave. Às vezes só precisamos de tempo para que uma chance apareça diante de nós.” “É importante continuar pesquisando, se candidatando e se aprimorando. Um curso adicional, uma pós, qualquer adição no currículo é importante, mas não podemos desistir”, completa a psicóloga.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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