Com IA generativa redefinindo criação artística, o debate sobre autoria, originalidade e direitos autorais ganha urgência, exigindo novas leis e éticas para proteger artistas e criadores.
A inteligência artificial generativa, tecnologia capaz de criar textos, imagens, músicas e outros conteúdos a partir de vastos bancos de dados, está transformando gradualmente a produção artística e intelectual. “Esses sistemas não copiam conteúdos diretamente, mas aprendem as estruturas e estilos para depois gerar novas composições que sejam coerentes e criativas”, explica Howard Roatti, especialista em inteligência artificial e professor do Centro Universitário FAESA.
Contudo, esse avanço tecnológico levanta complexas questões éticas e legais sobre direitos autorais e proteção aos criadores originais cujas obras servem de base para esses desenvolvedores.
A criação de conteúdo por inteligência artificial, mesmo ao replicar o estilo de um artista, não constitui automaticamente uma infração legal. No entanto, esse tipo de uso levanta sérias questões éticas, principalmente quando há uma apropriação não autorizada da identidade criativa de alguém. “Há indícios de que alguns modelos generativos foram treinados com dados provenientes de fontes ilegais ou de repositórios privados, incluindo materiais protegidos por direitos autorais”, explica Marcos Alécio Spalenza, Cientista de Dados e doutor em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
O rápido desenvolvimento dessas tecnologias tem aberto debates sobre os limites do uso de obras protegidas no treinamento de algoritmos. A Lei de Direitos Autorais (9.610/98), ainda não estabelece regras para esse tipo de uso, o que provoca insegurança jurídica em diversas áreas criativas.
Essa lacuna preocupa músicos como o cantor e compositor capixaba, Gabriel Dias: “A IA apenas replica materiais de artistas, em sua maioria de forma antiética. Ela não tem a capacidade, que para mim é unicamente humana, de criar a partir de experiências de vida”.
Além da música, áreas como o design gráfico, a literatura e até o jornalismo têm sido impactadas por sistemas generativos. Ferramentas de IA já são capazes de escrever notícias, ilustrar livros e produzir campanhas publicitárias, o que altera significativamente a cadeia de produção criativa e desafia modelos tradicionais.
Os algoritmos de ‘machine learning’ foram criados para extrair e replicar padrões a partir dos dados fornecidos durante seu treinamento. “A expectativa é que esses modelos aprendam uma representação generalizada do conhecimento, mas quando o treinamento envolve dados protegidos por direitos autorais, principalmente sem consentimento ou licenciamento, podemos sim estar diante de situações equivalentes ao plágio”, afirma Spalenza.
O caso do Stable Diffusion, ferramenta de geração de imagens por IA, processada nos Estados Unidos por usar imagens protegidas sem autorização, ilustra a dimensão global do problema. No centro do debate estão três questões, como aponta Roatti: “Precisamos definir autoria em obras geradas por IA, regular o uso de conteúdos protegidos para treinamento e estabelecer limites para obras similares”.
Em resposta a esses desafios, o Especialista em Inteligência Artificial ressalta, “O Brasil tem dado passos importantes, mas o debate ainda está em construção. Um exemplo é o Projeto de Lei 2.338/2023, que propõe um marco legal para a inteligência artificial no país. Essa proposta busca garantir o uso ético, seguro e transparente da IA, considerando os riscos e impactos sociais dessas tecnologias”.
Quando uma IA gera uma obra quase idêntica à de um artista humano, a responsabilidade não é simples. “A atribuição de responsabilidade deve considerar o papel de cada agente humano envolvido”, diz Spalenza. “Os desenvolvedores são responsáveis pela concepção segura e ética do modelo, enquanto os usuários são responsáveis pela forma como utilizam essas ferramentas”.
Casos envolvendo artistas brasileiros ainda são pouco documentados, mas dubladores já relataram prejuízos. “O ator Wendel Bezerra, conhecido por dar voz ao personagem Goku, chegou a registrar queixa policial após descobrir o uso não autorizado de sua voz por IA”, destaca o Cientista de Dados.
Spalenza defende uma visão equilibrada sobre o papel da IA na criação artística. “Embora a arte gerada por IA possa despertar interesse e curiosidade, ela ainda apresenta limitações técnicas importantes. Na maioria dos casos, são tentativas de reproduzir estilos e padrões artísticos sem captar as nuances, emoções e contextos humanos que dão significado à arte”, explica.