Corpo, mente e coletivo: grupos autônomos promovem atividades ao ar livre na Grande Vitória

Em meio ao ritmo acelerado da vida urbana, iniciativas independentes fortalecem vínculos sociais e bem-estar físico e mental

Nas grandes cidades, o ritmo acelerado, a rotina individualista e a falta de espaços de convivência têm contribuído para o aumento do isolamento social e problemas de saúde mental. O avanço da urbanização, a verticalização das cidades, o aumento do trânsito e das jornadas de trabalho cada vez mais extenuantes moldaram uma nova paisagem urbana: densa, veloz e, muitas vezes, solitária. Se, por um lado, os centros urbanos oferecem infraestrutura, oportunidades profissionais e acesso a serviços, por outro, tendem a afastar as pessoas do contato com a natureza e do convívio comunitário.

Esse quadro impacta diretamente a saúde mental: estudos indicam que moradores de centros urbanos apresentam índices mais elevados de estresse, ansiedade e depressão do que aqueles que vivem em áreas rurais ou cidades menores. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 264 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão, e a prevalência é maior entre aqueles que vivem em centros urbanos, associada ao aumento de transtornos mentais, especialmente ansiedade e depressão. Nesse contexto, atividades coletivas ao ar livre surgem como uma resposta, promovendo não só o bem-estar físico, mas também o fortalecimento de vínculos sociais.

Na Região Metropolitana da Grande Vitória, a combinação entre belas paisagens naturais e a infraestrutura urbana propicia o surgimento de diversas iniciativas autônomas que incentivam atividades coletivas ao ar livre, ocupando praças, praias, trilhas e parques para promover práticas que vão além do cuidado com o corpo: são ações que estimulam a saúde mental, o pertencimento comunitário e o fortalecimento dos laços sociais.

Essa tendência de buscar atividades coletivas ao ar livre está diretamente relacionada à necessidade humana de pertencimento e de contato com a natureza — uma dimensão muitas vezes negligenciada no ambiente urbano. Participar desses grupos ajuda a romper o ciclo de isolamento, a criar novos vínculos e a desenvolver hábitos mais saudáveis.

Ságila Farhat é psicóloga e psicanalista graduada em Psicologia pela FMU (SP) e pós-graduada em Fundamentos da Psicanálise pelo Instituto Espe. Hoje, moradora de Vitória, realiza o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional da UFES e é integrante do projeto de extensão Ocupação Psicanalítica do Espírito Santo. Ságila destaca que “a importância das atividades coletivas é possibilitar não só uma melhora significativa para o corpo, mas, sobretudo, por contribuírem para a própria socialização do indivíduo. Para o campo da psicologia, saúde mental não se restringe à saúde física, mas se caracteriza por um conjunto de fatores que incluem aspectos de ordem psicológica e emocional”. Ela ressalta ainda que, para a psicanálise, o eu não se constitui sozinho, mas através do laço com o outro: “as relações coletivas são centrais para a constituição da identidade e para a regulação do mal-estar psíquico. Realizar atividades coletivas contribui, consideravelmente, para a possibilidade de construção de vínculos e acolhimento”.

Segundo artigos publicados pela Associação Americana de Psicologia (APA), como “Working out boosts brain health”, “Nurtured by nature” e “The risks of social isolation” afirmam que a prática de exercícios em grupo e o contato com a natureza reduzem os níveis de cortisol (hormônio do estresse) e aumentam a produção de endorfina e serotonina, neurotransmissores ligados ao prazer e ao equilíbrio emocional. Além disso, a sensação de pertencimento gerada por essas interações ajuda a combater a solidão, um problema crescente em sociedades urbanizadas.

Nesse sentido, Ságila complementa: “Atividades ao ar livre contribuem como uma maneira de possibilitar momentos de pausas, rompendo com a lógica acelerada e abstrata da vida urbana e digital. Estar em ambientes ao ar livre pode contribuir para desacelerar o indivíduo de suas multitarefas, possibilitando um olhar mais contemplativo naquilo que é externo, na alteridade, a partir do investimento libidinal em outros objetos”.

Além dos benefícios individuais, esses grupos cumprem um papel importante na ocupação positiva dos espaços públicos. A informalidade das atividades também é um diferencial. Sem custos ou inscrições burocráticas, elas se tornam acessíveis a todos, reforçando a ideia de que saúde e bem-estar não devem ser privilégios.

As grandes cidades podem, paradoxalmente, favorecer tanto o encontro quanto a alienação. “Cidades altamente urbanizadas e densamente povoadas podem acentuar o isolamento. A urbanização intensifica exigências e renúncias, muitas vezes dificultando os vínculos humanos em favor de uma lógica produtivista, competitiva e individualizante”, afirma Ságila Farhat.

Em relação à realidade local, ela pondera: Vitória, embora não se enquadre em um território equivalente a São Paulo ou Rio de Janeiro, também compartilha características urbanas como desigualdade socioespacial, fragmentação de territórios e falta de espaços públicos integradores. Dependendo do bairro, classe social e modo de vida, a cidade pode, sim, gerar riscos de isolamento subjetivo, sobretudo se não houver espaços comunitários, culturais e naturais que favoreçam o encontro e o pertencimento”.

Ela ainda lembra que essas dificuldades são agravadas pela mobilidade urbana precária, que limita o acesso a espaços de socialização e lazer.

Marcus Vinícius Gonçalves, morador de Viana que já participou de algumas dessas atividades, compartilha sua experiência:

“Eu fui convidado por meu primo, mas depois que vi as imagens no Instagram, como parecia legal e ter contato com a natureza me emociona, eu decidi participar. Estar conectado com a natureza para mim é muito importante, gosto dos visuais, respirar ar puro, estar conectado a isso é muito importante. Agora, quanto ao físico, acho que o corpo agradece por sair da rotina urbana do cotidiano e se aventurar em algo diferente.”

Ao ser perguntado se indicaria essas atividades para outras pessoas, Marcus conclui: “Sim, e também quero fazer novamente. É sempre bom sair da rotina e ter o contato com pessoas diferentes e natureza.”

Esses grupos revelam uma tendência que vai além da busca por condicionamento físico: expressam uma vontade coletiva de ressignificar a relação com a cidade e com o outro. São formas de resistência à lógica individualista que predomina nos grandes centros urbanos.

Ságila Farhat reforça a importância do pertencimento social nesse processo: “O pertencimento é uma condição básica para a constituição do eu. Desde a infância, o sujeito busca um lugar de reconhecimento no desejo do outro. Sem um lugar no laço social, o sujeito corre o risco de permanecer no campo da angústia, ou até de sucumbir à vivência de não-existência simbólica”. Para ela, pertencer é ser reconhecido como sujeito no discurso do outro, condição fundamental para a estabilidade emocional: “O pertencimento sustenta a inscrição do sujeito na cultura, favorecendo sua estabilidade emocional e sua capacidade de investir afetivamente no mundo”.

A emergência desses grupos autônomos na Grande Vitória reflete uma importante transformação social: o resgate do protagonismo popular na construção de uma cidade mais humana, acolhedora e saudável. São iniciativas que demonstram como, a partir de gestos simples — como caminhar juntos, meditar ou praticar esportes em grupo —, é possível fortalecer a saúde física e emocional, criar redes de apoio e transformar a experiência urbana.

Oferece aulas gratuitas de Yoga todos os sábados no quintal do J3 Mangalô, Curva da Jurema, às 7h15min da manhã e também tem o “Amanhecer” uma vez ao mês, às 4h30min. Só chegar com a canga ou seu tapete de yoga!

“A intenção do projeto é dar uma movimentada nessa região da praia pela manhã. Quando começou, em 2022 estava saindo daquele contexto de Lockdown da pandemia, as coisas estavam começando a entrar em uma certa entre aspas “normalidade,e aí surgiu um pouco dessa necessidade de buscar qualidade de vida, saúde, estar mais em espaços abertos, começar a socializar de novo, sair do virtual, que foi o que dominou a vida de todo mundo na pandemia”.  [Administrador do projeto]

O grupo se reúne todas as segundas, quartas e sextas-feiras para nadar recreativamente!

O horário é às 5h30 da manhã e entram na água às 6h00 da manhã. Normalmente nas sextas-feiras fazem um café da manhã compartilhado. O local de encontro é próximo à praça do ciclistas em Vila Velha, na Praia de Itaparica, em frente ao condomínio e às ilhas gregas. 

“Éramos apenas quatro amigos que buscavam um pouco mais de qualidade de vida. Acordávamos 5h00 da manhã e íamos para o final da praia de itapuã para nadar até a ilha Pituã para ver o nascer do sol. Aos poucos fomos convidando mais amigos que também perceberam que precisavam de um pouco mais de contato com a natureza” [Co-fundador do projeto]

É um projeto gratuito do centro de educação física em parceria com a federação de tiro com arco que oferece aulas gratuitas de tiro com arco para a comunidade interna e externa da Ufes toda segunda a quinta a partir das 15:30. As turmas são divididas em uma hora de duração e fornece todo material para a prática. Atende a iniciação quanto aos atletas que treinam para competição!

Encontro que acontece todos os sábados no Morro do Moreno, Vila Velha, com quatro anos de tradição. Os participantes se encontram por volta das 5h da manhã no pé do morro para um café compartilhado, seguido de uma subida ao topo para assistir ao nascer do sol, orar e contemplar a paisagem. A iniciativa, idealizada pelos irmãos Thiago e Jayme, nasceu da busca por saúde física e espiritual.

“É um momento de gratidão, para começar o fim de semana com energia boa”, dizem os organizadores.

Empresa criada por estudantes de Educação Física durante a faculdade, há sete anos, hoje consolidada no mercado de trilhas e passeios pagas. Oferece caminhadas ao ar livre em montanhas e cachoeiras, acreditando que as atividades são terapêuticas, tanto física quanto mentalmente, promovendo a socialização e o contato com a natureza. As atividades atendem de crianças a idosos, com trilhas classificadas por grau de dificuldade no “Trilhômetro”. Informações e inscrições pelas redes sociais e site.
“Criamos a empresa na faculdade, éramos estudantes de Educação Física e tivemos que apresentar um projeto de atividade física em meio natural. Fizemos a primeira trilha no Mestre Álvaro e tivemos R$ 80 de renda. Demos continuidade e hoje somos sócios proprietários.” [Wanderley (Papada), sócio da empresa.]

O Alma Viva promove a prática da Canoagem Polinésia, atividade paga que une esporte, cultura e conexão com a natureza. As remadas são realizadas em grupo, em embarcações típicas conhecidas como va’a, que exigem sincronia e cooperação entre os participantes. Além do aspecto esportivo, o projeto busca proporcionar bem-estar, saúde física e mental, além de criar uma comunidade integrada com o mar e a cultura ancestral da canoagem.

As atividades acontecem em Vitória, e qualquer pessoa pode participar, independentemente do nível de experiência. Mais informações e inscrições: www.almavivavaa.com.br e pelo Instagram: @almaviva.vaa.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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