Bicicletas elétricas, uma nova modalidade: os vácuos na regulamentação e fiscalização

Podemos listar vários motivos que fizeram o novo modal ‘bombar’: a comodidade, o conforto, a economia, a facilidade de locomoção, entre outros. Os jovens podem ter adotado a bicicleta elétrica pela capacidade de velocidade, mais rápido que uma bicicleta normal, mais confortável que um patinete elétrico, e com certeza demanda menos esforço físico para conduzir. Apesar de possuir qualidades atrativas, especialistas ouvidos nesta reportagem apontam que a falta de uma fiscalização eficiente e uma regulamentação assistida pode transformá-las em um pesadelo.

“O pessoal anda numa velocidade acima do que geralmente é permitido”, disse outra moradora do bairro Jardim da Penha que também preferiu não ser identificada.

“Sou ciclista há mais de 45 anos, gosto de bicicleta, gosto de pedalar. E observo sim que existe uma falta de atenção ou de preparo dos condutores das bicicletas elétricas porque eles não têm um entendimento, o que eu já observei, das regras de trânsito”, afirmou Luciano de Oliveira, morador de Vitória.

Em 2023, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) instituiu uma regulamentação que determina regras de velocidade, equipamentos obrigatórios e as dimensões que as bicicletas elétricas devem possuir. Veja um quadro ilustrativo de algumas normas da Resolução 996/2023:

O Contran também explica que a circulação de bicicletas elétricas em ciclovias, ciclofaixas e demais calçadas compartilhadas devem respeitar o limite de velocidade imposto pelo órgão regulador da via, não podendo ultrapassar 45 km/h. Sem especificações para o processo de fiscalização desses veículos, o órgão atribui a competência para a esfera municipal, que tem a permissão para impor novas normas e sistemas de controle desde que respeitem as regras já estabelecidas.

Uma observação está clara para os cidadãos de Vitória entrevistados nesta reportagem: não há fiscalização. E a regulamentação do Contran? Pelo visto, não se aplica aqui. 

O Gerente de Fiscalização de Trânsito do Departamento Estadual de Trânsito do Espírito Santo (Detran/ES), Jederson Lobato, explicou que essa nova modalidade ainda é muito recente e é um desafio para os órgãos fiscalizadores. Em entrevista para o Primeira Mão, Lobato comentou alguns meios que podem compor um projeto de fiscalização para esses veículos. 

“Na prática, como o critério ali é velocidade, o que faz mais sentido é que seja utilizado um radar móvel, por exemplo, para fiscalizar esses veículos. Mas isso ainda não está previsto na legislação, então hoje a gente não tem mecanismo para aferir esse critério específico que é o principal da norma, a velocidade desse veículo”, declarou.

De um lado estão os pedestres e ciclistas que temem compartilhar espaço com os condutores das bikes, e por outro lado, estão os próprios usuários do veículo que denunciam a precariedade na infraestrutura urbana em acolher, de forma segura, os modais que circulam na cidade.

“As ciclovias são poucas e muitas estão bem ruins, com buracos, acesso difícil… Aí, como a bike chega a uns 32 km/h, nem sempre dá pra andar junto com ciclistas ou pedestres. Acabo usando a pista, principalmente dentro do bairro, mas aí tem outro problema: motorista que não respeita, fecha a gente”, comentou. 

O relato é do Luis Fernando Vinco, estudante de 21 anos, morador de Jardim da Penha, que utiliza o meio elétrico para ir para a faculdade, ir para o trabalho e outros locais rotineiros. Ele conta que escolheu a bicicleta elétrica pela autonomia e economia, mas aponta desafios em ciclovias na cidade.

A reportagem procurou à Secretaria de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana de Vitória (Setran) sobre a existência de um planejamento urbano que inclua pessoas e os demais veículos com segurança. A assessoria do órgão respondeu, por meio do WhatsApp, que “haverá planejamento para adaptar infraestrutura urbana para a nova modalidade, porém, será fundamental que os usuários do modais respeitem as regras estabelecidas para evitar acidentes.”

Apesar da afirmação positiva, a Setran informou que não há maiores detalhes sobre o planejamento, e este será tratado futuramente, e por outra secretaria, a Secretaria de Desenvolvimento da Cidade (Sedec). 

Ao perguntarmos sobre a possibilidade de uma nova regulamentação para as bikes no município, a Setran respondeu por nota.

Os desafios se tornam maiores quando não encontramos dados que constatem os problemas enfrentados. “Sempre que a gente olha para os observatórios, para as estatísticas disponíveis, a bicicleta elétrica acaba sendo um número comum com a bicicleta normal. Então está tudo junto ali, não tem segmentado o que é elétrica e o que é propulsão humana”, explica Lobato.

Aprovado na Câmara Municipal de Vitória, o Projeto de Lei “Bike Legal” visa promover a circulação segura de bicicletas elétricas no município capixaba. De forma mais específica, a regulamentação prevê limites de velocidade de acordo com o tipo de via:

  • 6 km/h em áreas de circulação de pedestres;
  • 25 km/h em vias onde não houver ciclovia ou ciclofaixa e locais de maior circulação, devidamente sinalizados pela Prefeitura;
  • 32 km/h nos demais locais.

O PL, que aguarda a sanção do Prefeito, também propõe que as bicicletas deverão possuir campainha, iluminação dianteira e traseira, e sinalização refletiva. Além disso, o projeto oferece a possibilidade de cadastramento dos veículos.

O Cadastramento Municipal de Bicicletas Elétricas visa facilitar a identificação em casos de furto ou roubo; permitir a responsabilização em caso de infrações de trânsito; e principalmente, gerar dados para o planejamento urbano e de mobilidade, cobrindo o leque estatístico comentado anteriormente.

O programa ainda indica pagamento de taxas para a realização do cadastro. Segundo o documento do projeto, a Prefeitura de Vitória poderá oferecer o cadastro, porém fica a cargo do Poder Executivo exigir ou não o pagamento de taxas para a realização do cadastro.

Embora a nova regulamentação complemente algumas lacunas, ela não soluciona os vácuos já apontados na reportagem. A implementação de uma fiscalização eficiente e a adaptação da infraestrutura urbana para o modal não foram previstas, e assim Bike Legal se aproxima do Contran na escassez de medidas suficientes.

Mesmo que não haja comprovação estatística, podemos afirmar, diante das experiências diárias dos entrevistados desta reportagem, que os jovens e crianças constituem o grupo majoritário dos condutores das bicicletas elétricas. Com certeza, pelo menos uma vez ao dia, um cidadão capixaba tentou não ‘topar’ com um adolescente dirigindo fora das ciclovias, enquanto realizava seu trajeto normalmente.

O terceiro vácuo se encontra exatamente nessas situações de descuido e desatenção: a falta de restrição de idade para a condução das bicicletas elétricas. O cenário de perigo já está posto, crianças de todas as idades já circulam com as bikes pela cidade, claro que a ausência de dados falha nesses apontamentos, mas os cidadãos de Vitória confirmam a presença deles todos os dias. 

“Na minha rua, às vezes, que é mais deserta, tem muito adolescente indo para a aula cedo e aí eles vão numa velocidade considerável, um pouquinho menos que uma moto. E isso é tipo sete horas da manhã”. Embora ache perigoso, a estudante Ana Clara Schulz, moradora de Jardim da Penha, conta que o movimento das bikes na rua onde mora não a afeta muito, pois os condutores não costumam passar pelas calçadas.

Durante a conversa com o Jederson Lobato, questionamos a necessidade de estabelecer uma idade mínima para as bicicletas elétricas, e a resposta foi tão clara quanto autoexplicativa.

“Quando você está falando de um veículo que pode alcançar 30, 40, eventualmente 50, destravado ali, quilômetros por hora, eu acho que sim, é muito perigoso você não estabelecer um limite de idade para o condutor desse veículo, principalmente quando você fala de via pública. Ou talvez em uma faixa intermediária, mas quando você libera isso para qualquer idade, eu acho que é um risco muito grande para a segurança no trânsito”, ponderou.

Carência de políticas e ações de fiscalização, infraestrutura urbana inadequada e condução sem restrição de idade são buracos profundos que acometem a segurança da mobilidade urbana em Vitória. Para que esses vácuos sejam preenchidos e resolvidos, primeiro é preciso encará-los como problemas a serem solucionados.

A regulamentação federal não permite a implementação de normas que a modifiquem, portanto, estabelecer uma idade mínima para as bicicletas elétricas é uma decisão que não compete ao poder legislativo municipal. Dessa forma, a responsabilidade é devolvida ao Contran, que deve esperar provas (dados sobre acidentes) até que o assunto seja pautado.

O cimento necessário para tapar os três principais buracos — antes que se tornem crateras — é a união entre as duas esferas: a federal e a municipal. É preciso que haja regras mais rigorosas e mais específicas, e talvez, maior autonomia às cidades para implementar medidas e normas conforme a necessidade e as características do território local.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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