De servente a professora: A história de Tia Beth e sua jornada de amor pela educação

Uma mulher que transformou desafios em conquistas, saindo da cozinha para a sala de aula, e provando que a educação pode mudar realidades.

A vida é tecida por encontros e oportunidades. Os sonhos não nascem prontos, são despertados no meio do caminho, moldados por desejos que aparecem nos acasos. A história de Elizabeth, carinhosamente conhecida como Tia Beth, é um exemplo disso: uma mulher que encontrou sua vocação na educação ao longo de sua jornada na Cooperativa Educacional de São Gabriel da Palha (Coopesg).

Antes de se tornar professora, Tia Beth levava uma vida simples no pequeno patrimônio de São Sebastião da Barra Seca, em São Gabriel da Palha. Criada em uma família humilde, ela sempre acreditou na importância da educação, incentivada por sua mãe, que, mesmo sem ter tido oportunidades de estudo, fazia questão de ensinar aos filhos o valor do conhecimento.

Em 2003, surgiu a oportunidade de trabalhar como servente na Coopesg. Seu papel era manter as salas limpas e auxiliar na cantina, mas foi no contato com as crianças que algo especial começou a florescer. “Fui tendo aquele carinho, aquela recepção tão gostosa das crianças… e aquilo foi me tocando”, relembra.

“Tia Beth” com seus alunos em uma atividade em sala de aula. Foto: Arquivo Pessoal.

O destino mostrou seu caminho quando uma professora da educação infantil precisou se afastar por motivos de saúde, e Tia Beth, que já acumulava cinco anos de dedicação à cooperativa, foi chamada para atuar como auxiliar. Inicialmente, a mudança parecia temporária, mas os dias foram se estendendo, até que, um ano depois, ela se viu definitivamente inserida no universo da educação infantil.

Foi nesse momento, já perto dos 30 anos, casada e com um filho ainda criança, que ela percebeu que não poderia parar ali. Com o incentivo de Carmen Rigo, coordenadora pedagógica, decidiu retomar os estudos. “Quando ela me disse que eu precisava estudar, eu disse ‘misericórdia’, porque tinha um filho pequeno e não via como conseguiria. Mas ela me matriculou, trouxe a papelada e eu fui”, conta emocionada.

A jornada foi difícil. Para concluir o ensino médio, Tia Beth enfrentava longos trajetos até a escola, muitas vezes levando o filho junto. Eram quatro quilômetros de distância entre sua casa e a escola, e, em alguns dias, ela conseguia pegar carona com o ônibus que trazia alunos da roça. Quando não conseguia, ia a pé, enfrentando o caminho com a criança ao seu lado. 

Após concluir o ensino médio, ela deu o próximo passo e ingressou no curso de pedagogia. A faculdade era semipresencial, em Nova Venécia, a cerca de 45 quilômetros de sua casa. Nos finais de semana, ela viajava para a cidade, pegando carona com amigas para dividir os custos de gasolina. Foram três anos e meio de dedicação, noites mal dormidas e muito esforço. Mas o sonho se tornou realidade: em 2014, já no quarto período da faculdade, ela assumiu uma sala como professora regente.

A emoção da família ao ver sua conquista foi indescritível. “Minha mãe chorou, gritou para a vizinhança que a filha dela ia ser professora. Era um sonho não só meu, mas dela também. Para ela, ser professora era uma das profissões mais respeitadas, e ver essa conquista na família foi algo muito especial”, relata.

Hoje, 22 anos depois de ingressar na Coopesg e 11 anos como professora, Tia Beth leciona para a turma do maternal. Sua rotina é dividida entre os cuidados com a netinha e o trabalho na escola, onde dedica suas tardes às crianças de dois a três anos. “Agora a responsabilidade é muito maior. Temos plano de aula, precisamos estar sempre atualizados, nos dedicamos em dobro para garantir o melhor aprendizado para os pequenos”, explica.

Ser professora para ela é mais do que uma profissão: é uma missão. “Quando vejo o brilho nos olhos das crianças, quando percebo que posso fazer diferença na vida delas, tudo vale a pena. Sinto que estou exatamente onde devia estar.”

Educação além da “idade ideal”

A trajetória de Tia Beth reflete uma realidade presente no Brasil: o ingresso no ensino superior em idades além da considerada “ideal”. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2023, houve mais de 4,9 milhões de ingressantes em cursos de graduação, dos quais  88,6%  rumaram para a rede privada. Além disso, a modalidade de Educação a Distância (EaD) representou 66,4% das novas matrículas, indicando que essa alternativa tem permitido a adultos conciliarem estudos com outras responsabilidades.

Esses dados evidenciam que, apesar dos desafios, há uma crescente busca pela educação superior por parte de adultos que não seguiram o percurso acadêmico tradicional. 

Um exemplo de superação e inspiração

Tia Beth é um testemunho de resiliência e paixão. De servente a professora, sua história prova que o amor pela educação pode transformar vidas. Seu caminho é um incentivo para tantos outros que sonham, mas não sabem por onde começar.

“Realizei dois sonhos: ser enfermeira e ser professora. Trabalhei na saúde por sete anos e, agora, estou na educação, onde me encontrei. Tudo isso aconteceu porque agarrei as oportunidades e não desisti. Se eu posso deixar uma mensagem para quem está na dúvida sobre seguir um sonho, é essa: não tenha medo. Tudo vale a pena quando se faz com amor”, afirma.

Por trás de cada escola, de cada sala de aula, existem muitas outras “Tias Beths”, mulheres que, com coragem e determinação, transformam seus caminhos e impactam a vida de inúmeras pessoas. Elas são inspiração para tantos que acreditam no poder da educação, provando que nunca é tarde para recomeçar e que os sonhos, quando cultivados e incentivados, podem se tornar realidade.

Cooperativa Educacional de São Gabriel da Palha (Coopesg)

Fundada em 1993, a Coopesg surgiu para melhorar a educação em São Gabriel da Palha. Com uma proposta cooperativa e sem fins lucrativos, a escola oferece cursos completos e técnicos, atendendo da educação infantil até o 9º ano do ensino fundamental. A administração é feita pelas mensalidades dos alunos, que participam de assembleias para decidir os rumos da instituição.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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