Chegar às vinte semanas

A pré-eclâmpsia, a gravidez, a pressão alta, o fim e o começo, vida ou morte. 

Não tive como não imaginar. Abri o portal de notícias e lá estava: ‘Cantora Lexa perde sua filha após quadro de pré-eclâmpsia’. Não se caracteriza como uma doença, mas uma condição determinada pelo aumento da pressão arterial durante a gestação que pode revelar que existe uma complicação no meio de um sonho. A cantora chegou às 25 semanas de gestação.  

E quem é essa que não chegou completamente, é pré e já define futuros no seu pós? Ela se nomeia pré-eclâmpsia. Uma complicação da gestação, que além da hipertensão arterial e proteinúria pode apresentar lesão renal, hepática e cerebral. E chega justamente após as 20 semanas. Os fatores de risco incluem histórico familiar, obesidade, doenças pré-existentes (como hipertensão e diabetes), gravidez em idade extrema (muito jovem ou acima de 35 anos) e ser a primeira gestação.

A pré-eclâmpsia às vezes vem.  Para quem? Conforme dados disponibilizados pelo DataSus (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde) referentes ao período de 1996 a 2021, mulheres de idade entre 20 a 39 anos possuem os maiores índices de letalidade. Já as regiões com maiores casos de mortalidade materna, somando-se todas as idades, têm em primeiro lugar a região Sudeste (35,7%) seguido respectivamente pela região Nordeste (33,8%). Se tratando de cor e raça,  do total de 2.844 mulheres acometidas, o primeiro lugar vai para as mulheres pardas (43%), seguida respectivamente pelas brancas (32%).  

Além de chegar, a pré-eclâmpsia pode levar à mortalidade gestacional. Os dados do DataSus identificaram 517 óbitos no total. A faixa etária mais acometida foi a de gestantes entre 30 a 39 anos, seguida pela de 20 a 29 anos. O estado com maior índice foi o Maranhão com 22,63% dos casos. A etnia mais acometida foi a parda, com escolaridade entre 8 a 11 anos. A mortalidade chega para os filhos de Lexas, filhos de Marias, de Joãos, de Silvas, de Sousas, de ricos, de pobres, de pretos, de brancos. Filhos de 1,5% a 7% de gestantes brasileiras, segundo dados da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Fui procurar duas vidas que venceram os percalços da pré-eclâmpsia. Andressa Somerlate e Mariá Somerlate. Eram quase oito meses de gravidez. A bolsa rompeu. Pega mala. Pega bolsa. Pega a chave do carro. Pega fralda. Pega sonhos. Pega esperança. Foi a pré-eclâmpsia quem as levou ao hospital. Andressa chegou, a pressão estava alta e denunciou quem vinha junto. E já que todos chegaram, vamos correndo para outro hospital. O parto foi adiantado, o momento é agora. Parto difícil, complicado, sofrido, suado, de risco e arriscado, será que vem ao mundo mais um neném?

O medo estava presente. “Minha vida estava em jogo e a vida da minha filha também. A fé foi minha grande doula: me acalmou, conduziu, e direcionou.” Todos bem. 20 semanas e duas vidas que vivem até hoje. Andressa e Mariá Somerlate. 

A obstetra e ginecologista, Luisa Cardoso, me informou sobre a prevenção: “não há uma forma garantida de evitar a pré-eclâmpsia”. Não posso evitar. Mas posso me cuidar. Sim, cuidados prévios “como o controle do peso, acompanhamento regular durante a gestação e, em alguns casos, o uso de aspirina em baixas doses em mulheres com alto risco de desenvolver a doença”, afirma a Dra. Luisa. 

A gravidez é um processo que mexe com todo o corpo que gera, com a mente, com a alma. Quão complexo é chegar às 20 semanas e por fim, descobrir que a pré-eclâmpsia também chegou. Ainda pior, é saber que uma gestação pode ser interrompida com  um sonho. E chegar às vinte semanas pode desnudar um bebê já nu e o expor antes da hora para um mundo encoberto. Um mundo coberto de fins e começos 

Para aquelas que perderam um bebê durante a gestação chega o luto perinatal. “Esse é um processo intenso, de dor, sofrimento e sentimentos de culpa, raiva, medo. Nesse momento, uma rede de apoio é essencial para acolher essa mãe e seu luto”, afirma a psicóloga do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA-Ufal) Michele Morgana em entrevista ao site da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Enbserh). Ela ressalta a importância do apoio familiar e afirma que “o luto perinatal é pouco reconhecido e muitas vezes negligenciado. As mulheres muitas vezes não se sentem acolhidas para expressarem sua dor. Falar sobre a dor é terapêutico, assim como se permitir chorar e ficar triste diante da perda”. 

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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