É depressão ou só cansaço? 

O autodiagnóstico pelas redes sociais pode parecer um atalho para o autoconhecimento, mas esconde riscos como erros de avaliação e automedicação.

“Cinco sinais de que você pode ter TDAH”. É assim que começa um vídeo com mais de 330 mil visualizações no TikTok. Nos comentários, pessoas identificam os sintomas e as características do transtorno em si mesmas e fecham diagnóstico pela própria rede social, sem a avaliação de um profissional. “Acabei de descobrir que tenho TDAH”, comenta uma. “Tenho todos esses sintomas aí, o que eu faço agora?”, diz outra.

Esse não é um caso isolado. Nos últimos anos, os conteúdos sobre saúde mental e transtornos psicológicos têm aumentado de forma considerável nas redes. Usando hashtags como “#mentalhealth”, “#tdah”, “#ansiedade” e “#depressao”, influenciadores sem formação na área da saúde produzem vídeos variados que prometem ajudar a quem assiste a diagnosticar em si mesmo alguma condição desse tipo.

De acordo com dados do Google Trends, pesquisas com o termo “TDAH”, por exemplo, dobraram de 2021 para 2023 no Brasil. Só nos últimos 12 meses, a busca “teste para TDAH gratuito” teve um aumento de 180%. Nas redes sociais, vídeos com esses temas somam milhões de visualizações e comentários. Essa é a nova onda do autodiagnóstico, o ato de identificar uma condição médica em si mesmo. Mas até que ponto isso é seguro?

Seja pela dificuldade de acesso a acompanhamento com profissionais qualificados ou até mesmo pela comodidade, a prática de se autodiagnosticar carrega alguns riscos. Apesar dessa tendência nas redes trazer à tona discussões sobre questões de saúde mental que, durante muitos anos foram estigmatizadas, especialistas alertam que nem tudo o que está na internet é confiável para se fechar um diagnóstico de transtorno mental.

De acordo com a psicóloga Rachel Borges, esse movimento de autodiagnóstico já é observado em consultório. Ela nota que há uma frequência entre seus pacientes que afirmam nas sessões possuir algum diagnóstico específico, identificado a partir de relatos na internet, sem uma avaliação profissional. “Sinto que as pessoas se sentem preocupadas em ter que encaixar seus comportamentos em algum transtorno mental, quase como uma busca por pertencimento”. Nessa busca, muitos podem acabar encontrando uma solução que parece até milagrosa, mas é equivocada.

Um estudo publicado no The Canadian Journal of Psychiatry em 2022 revelou que, entre os 100 vídeos mais assistidos sobre TDAH no TikTok, 52% continham informações falsas. Além disso, esses vídeos foram produzidos majoritariamente por pessoas sem qualquer formação na área da saúde, o que intensifica o problema, já que apenas 21% do conteúdo analisado se baseava em evidências científicas. 

Dessa forma, esse tipo de conteúdo tem dois lados: ao mesmo tempo em que incentiva as pessoas a cuidarem da saúde mental e a buscarem ajuda psicológica, se feitos sem responsabilidade, podem propagar ainda mais desinformação sobre transtornos mentais. Isso porque, muitas vezes, os transtornos são tratados de forma divertida ou até mesmo engraçada nos vídeos, banalizando a situação e o assunto. Entretanto, na realidade, as pessoas diagnosticadas enfrentam diversos desafios em suas vidas.

Além do risco de diagnósticos errados, o autodiagnóstico pode levar à automedicação, um problema ainda mais grave em um país onde 86% da população mantém remédios sem prescrição em casa. O dado, de uma pesquisa Datafolha de 2024 encomendada pela Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde (ACESSA), reforça a necessidade de cautela tanto na produção quanto no consumo de conteúdos na internet que prometem soluções rápidas e fáceis.

Quando buscar ajuda profissional não é tão simples

Mas o que fazer quando o acesso a profissionais é dificultado? Mesmo sabendo dos riscos, para muitos, as redes sociais acabam sendo a porta de entrada para o entendimento de sua própria saúde mental. Foi o caso de Diogo Delazari, de 22 anos. Em 2022, o jovem foi diagnosticado com depressão clínica após passar por alguns profissionais, mas a suspeita de que algo não estava certo fez ele procurar conteúdos nas redes sociais.Na época, o estudante passava por problemas pessoais e já não se sentia bem. Seu comportamento chamou a atenção de amigos, professores e familiares, que sugeriram que ele procurasse ajuda. No entanto, foi só depois de assistir a um vídeo no YouTube que Diogo percebeu a gravidade da situação. “Eu sabia que estava triste, mas nem pensava no diagnóstico. Até que vi um vídeo com dez sinais de que você precisa buscar ajuda psicológica — e me identifiquei com quase todos. Foi aí que percebi que precisava de um tratamento”, lembra.

Determinando a buscar apoio profissional, Diogo conseguiu uma consulta no programa de acolhimento psicológico da universidade onde estuda. Após alguns atendimentos, a profissional que o acompanhava identificou um possível quadro de depressão e solicitou uma avaliação psiquiátrica com urgência. No entanto, a consulta foi marcada apenas para dali a quatro meses e, no dia agendado, acabou sendo adiada. Sem alternativa, o jovem teve que recorrer ao atendimento particular.

Esse caso evidencia um problema estrutural do país: a dificuldade de acesso a acompanhamento psicológico e psiquiátrico gratuito, especialmente para as classes mais baixas. Enquanto as redes sociais ampliam a discussão sobre saúde mental, a realidade ainda impõe barreiras, como a alta demanda no Sistema Único de Saúde (SUS), a falta de profissionais em diversas regiões e os altos custos no setor privado. Nesse cenário, muitas pessoas acabam recorrendo ao autodiagnóstico e até à automedicação, buscando alternativas quando o atendimento especializado não está ao alcance.

Apesar dos riscos, Diogo acredita que, se feitos com responsabilidade e por profissionais da área, os conteúdos sobre saúde mental na internet podem ter um papel positivo. “Eu vivi na pele a dificuldade de encontrar um profissional para me ajudar, então acho que essas informações podem ser úteis para quem está passando pela mesma situação”, reflete.

Buscas por respostas nas redes sociais podem ser benéficas?

Já Athila Archanji passou por uma experiência diferente. O estudante de 23 anos nunca procurou um profissional da área da saúde mental, mas consome vídeos sobre o tema com certa frequência. Desde muito novo, ele sempre foi visto como “a criança ansiosa”, mas nunca teve certeza desse diagnóstico. 

Atualmente, baseado em conteúdos que viu nas redes sociais, ele acredita que tenha sim um quadro de ansiedade. “Eu não sou muito de ir em médico, então eu nunca fui atrás de um diagnóstico formal, mas os conteúdos que eu vejo sobre isso me levam a suspeitar de que eu tenha ansiedade”, conta o jovem. 

Apesar disso, Athila afirma que nunca chegou a se automedicar com base nessa suspeita, mas usa as informações do vídeo para melhorar a sua qualidade de vida. “Esses conteúdos que eu consumo me mostraram coisas que posso fazer para melhorar essa ansiedade. Me influenciou a buscar fazer mais atividade física e a buscar uma rotina mais saudável, por exemplo”.

Sendo assim, conteúdos de qualidade de profissionais responsáveis podem sim ser informativos e ajudar pessoas que estejam na mesma situação a lidar com possíveis transtornos. Com mais informações baseadas em conhecimento científico da área, outras pessoas podem se beneficiar, obtendo mais dados sobre o tema. Mesmo assim, é importante ressaltar que, por mais valiosos que sejam esses conteúdos, eles não substituem a avaliação de um psiquiatra ou psicólogo, uma vez que sinais mais sutis podem ser ignorados nesse processo, comprometendo a precisão do autodiagnóstico.

Nada substitui a avaliação profissional

Nesse contexto, a psicóloga Rachel Borges afirma que os vídeos podem servir para divulgar informações sobre esse tema, mas é preciso ter cuidado com o que acreditar. “O maior erro é confiar em fontes não seguras. Qualquer pessoa pode fazer um reels [vídeo] ou um post, mas quem é essa pessoa? É um profissional da área?”, comenta.

Outro ponto importante a ser considerado é que nem todo sintoma identificado nas redes sociais é, de fato, um sinal de transtorno mental. Como os vídeos são geralmente curtos e não oferecem um aprofundamento necessário, muitas vezes o que é interpretado como ‘sintoma’ pode ser, na realidade, um reflexo da rotina ou do contexto em que a pessoa está vivendo, e não necessariamente o indício de um problema de saúde mental. “A falta de atenção que é tão falada pode ser muitas coisas: cansaço, má qualidade de sono, ansiedade, estresse, depressão, TDAH, ou simplesmente um resultado de uma sociedade acelerada. Apresentar características que se encaixem em algum transtorno não determina que de fato a pessoa tenha esse transtorno”, aponta a psicóloga.

Como uma profissional da área de saúde mental que utiliza as redes sociais como ferramenta de trabalho, Rachel diz que é importante ter muita responsabilidade com aquilo que ela posta. Ela acredita que esse tipo de conteúdo ajuda muito a diminuir o preconceito diante do cuidado da saúde mental, mas que é preciso buscar fontes seguras.

Para quem desconfia de algum diagnóstico o conselho é entender qual seria o possível transtorno e buscar um profissional competente o mais rápido possível. Só assim, a partir da queixa do paciente, é que esse psicólogo, psiquiatra ou neurologista vai poder fazer as avaliações necessárias para ajudar essa pessoa da melhor forma possível. “Antes de pensarmos em um diagnóstico, se tenho ou não algum transtorno mental, é pensar em como lidar com aquela situação de maneira que facilite meu modo de estar no mundo”, conclui Rachel.


A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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