O aumento das temperaturas mostram mais uma face das diferenças sociais
Uandy Dias
A onda de calor que tem atingido, com frequência, o Brasil nas últimas semanas, colocou o Espírito Santo sob alerta de “grande perigo”. Na capital, Vitória, os termômetros marcaram a maior temperatura do ano: 35,7°C, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). A empresa de meteorologia Climatempo, estima que a onda de calor que atinge o sul do Brasil deve elevar as temperaturas no Espírito Santo.
Embora o calor seja característica de países situados mais próximos da linha do Equador, como a maior parte do Brasil, as mudanças climáticas têm promovido incrementos no aquecimento, o que é aferido pelos termômetros e sentido pelas pessoas. Mas se o calor é distribuído igualmente para todas as pessoas de uma região afetada pelas altas temperaturas, a sensação térmica pode ser desigual, consideradas as condições de acesso a ambientes mais adequados para enfrentá-lo.
Nas comunidades, o teto das casas esquenta, as escolas não têm ventiladores suficientes para a quantidade de alunos e, mesmo embaixo de um sol escaldante, os moradores precisam subir e descer os morros. Além disso, ainda lidam com falta d’água constante. Para moradores periféricos, falta o básico: as casas são construídas sem planejamento, com materiais que absorvem mais calor, como telhas de alumínio, além de não terem ventiladores e aparelhos de ar-condicionado.
O clima impacta a nossa vida de forma desigual, pessoas que vivem em áreas mais pobres, com ausência de planejamento urbano e do Estado, sofrem mais os impactos climáticos e o estresse térmico do que em bairros mais de maior renda.
Bairros de classe média de Vitória apresentam um número de árvores maior do que bairros da Serra, aponta o pesquisador do Instituto de Estudos do Clima (IEC) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Wesley Correa. Segundo ele, estudos ao redor do mundo, como o da Organização das Nações Unidas (ONU), indicam uma série de medidas que podem ser tomadas para mitigar esses impactos da onda de calor. “É preciso entender é que o aquecimento global é uma realidade, e por isso as ações de mitigação devem ser colocadas em prática em coletivo, já que é um problema mundial que atinge com intensidade os moradores de locais vulnerabilizados. Para atenuar os impactos extremos do clima, precisamos de cidades inteligentes, com uso de telhados e áreas verdes para aumento da umidade do ar e da sensação de refrescância do ambiente””, explica o especialista.
Um ventilador para seis

A respiração ofegante e o suor são sensações frequentes da aposentada Maria da Silva Felix, 78 anos, moradora do bairro Bandeirantes, em Cariacica. O sol forte castiga, mas o problema não é só esse. Todo dia, ao menos quatro vezes, ela precisa sair de casa e ir para a varanda que fica de frente para a rua, para diminuir a sensação de calor e reduzir os impactos para sua saúde.
Maria diz que tem sido difícil regular o sono e ter apetite. O que mais a preocupa é que o extremo calor tem influenciado no aumento da sua pressão arterial. Na casa pequena que divide com outras cinco pessoas, o único ventilador que dispõem é insuficiente para amenizar o calor de todos.

E as salas de aula?
Com a volta às aulas, crianças e adolescentes de escolas públicas localizadas em bairros periféricos enfrentam o desafio de aprender em salas de aulas que são verdadeiros “fornos”, dificultando o rendimento dos alunos.
O estudo “Condições Térmicas e Desempenho em Ambientes de Ensino – norte de Portugal e nordeste do Brasil”, feito em 2017, por investigadores da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG) de Porto em parceria com pesquisdores da Universidade Federal da Paraíba, uma das entidades portuguesas que participam do projeto, analisa a influência das mudanças de temperatura no desempenho cognitivo dos alunos, e aponta que o calor é inimigo da aprendizagem.
“A temperatura mais elevada do ar pode provocar o aumento da frequência cardíaca dos estudantes acima de 100 batimentos por minuto”, passando estes a consumir “mais calorias” e a diminuir o ser “desempenho cognitivo”, explicou o pesquisador Paulo Oliveira à agência de notícias Lusa.
Para crianças e adolescentes da periferia, esse problema é uma realidade e se agrava devido à falta de estrutura das escolas e à dificuldade de adaptação em casa, onde muitas vezes não há ventilação adequada. Em muitas escolas públicas da periferia, a falta de ventiladores e ar-condicionado transforma as salas de aula em verdadeiros caldeirões. Professores e educadores relatam que o calor excessivo leva ao aumento do cansaço, da irritabilidade e da dificuldade de manter a atenção dos alunos. “A gente tenta adaptar a rotina, dar intervalos, permitir que os alunos bebam mais água, mas chega um momento em que não dá mais para ensinar”, conta Maria de Lourdes da Silva, professora de uma escola municipal de ensino infantil localizada em Cariacica.
A situação se torna ainda mais grave quando se observa que muitas dessas escolas foram construídas sem preocupação com ventilação e conforto térmico. Paredes de concreto sem isolamento térmico, janelas pequenas e pouca circulação de ar fazem com que o calor fique aprisionado dentro das salas.
Adriana Moura, mãe do Miguel de 3 anos, que estuda na escola de Cariacica, teme que o calor extremo possa atrapalhar o bom desempenho dele na escola, deixando-o agitado, já que a sala de aula em que estuda todos os dias conta com ventiladores fracos e insuficientes para a turma de 40 alunos. A escola precisa, juntamente com os pais, reivindicar à Secretaria de Educação uma verba para climatizar as salas de aula, ou no mínimo fazer a troca e aquisição de novos ventiladores, aponta Adriana Moura.
A adaptação das escolas públicas para enfrentar as mudanças climáticas é urgente. Medidas como a instalação de ventiladores, telhados verdes, sombreamento externo e mudanças na arquitetura das escolas poderiam aliviar o problema. No entanto, investimentos nessa área ainda são insuficientes, pelo que se observa nas escolas.
Enquanto isso, professores, alunos e pais continuam buscando alternativas para driblar o calor. A diretora escolar Viviane Rodrigues dos Santos ressalta que, infelizmente, não há muito o que fazer com os poucos recursos disponíveis.
Durante as férias escolares, Viviane promoveu a manutenção nos ventiladores para mantê-los funcionando. Apesar de as salas de aula serem grandes, elas são extremamente quentes. A alternativa ideal, na opinião dela, seria climatizá-las. “Não adianta preparar uma boa aula se o calor impede os alunos de aprender”, afirma.
Com o avanço da crise climática, fica evidente que o problema do calor nas escolas não pode mais ser ignorado. Sem ações concretas para garantir um ambiente de aprendizado adequado para todos, a desigualdade educacional só tende a se aprofundar, comprometendo o futuro de milhares de crianças e adolescentes da periferia.
Ondas de calor se tornam mais frequentes
O pesquisador do Instituto de Estudos do Clima da Ufes, Wesley Correa, alerta que as ondas de calor devem se tornar mais frequentes e intensas nos próximos anos. Segundo ele, os modelos climáticos indicam um aumento contínuo da temperatura média global, o que pode impactar diretamente diversas regiões do Brasil.
“Estamos observando uma elevação das temperaturas mínimas e máximas, além da intensificação de eventos extremos, como longos períodos de seca e ondas de calor intensas. Isso traz impactos tanto para a saúde da população quanto para a economia, principalmente na agricultura e no consumo de energia elétrica”, explica.
Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) indicam que 2024 foi o ano mais quente no Brasil desde o início dos registros em 1961. A temperatura média anual atingiu 25,02°C, representando um aumento de 0,79°C em relação à média histórica de 1991-2020, que é de 24,23°C.
Além disso, destaca-se que 2025 tem sido marcado por altas temperaturas e forte umidade, especialmente nas grandes cidades. Há uma tendência de chuvas irregulares, com possibilidade de períodos de seca seguidos de precipitações intensas, o que pode impactar diversas regiões do país.
Efeitos do calor extremo no corpo humano
A exposição a temperaturas elevadas pode desencadear diversos efeitos adversos no organismo:
Desidratação – O calor excessivo aumenta a transpiração, levando à perda significativa de líquidos e eletrólitos. Sem reposição adequada, pode causar tonturas, fadiga e, em casos graves, desmaios.
Problemas Cardiovasculares – Para dissipar o calor, o coração intensifica o bombeamento sanguíneo, o que pode sobrecarregar o sistema cardiovascular, especialmente em indivíduos com doenças cardíacas preexistentes.
Distúrbios Musculares e Nervosos – A perda de eletrólitos pelo suor pode afetar a função muscular e nervosa, resultando em câimbras, espasmos e, em casos extremos, convulsões.
Hipertermia – Quando a temperatura corporal ultrapassa os 40°C, mecanismos naturais de resfriamento podem falhar, levando a confusão mental, desmaios e risco de falência de órgãos.