Café mais caro: bom para o produtor, ruim para o consumidor

Fatores climáticos, econômicos, mercadológicos e logísticos causam o encarecimento do produto

Tomar um cafezinho de manhã já faz parte da rotina do brasileiro, que, muitas vezes, não consegue começar o dia sem um gole para se energizar. Contudo, manter  esse ritual matinal está ficando cada vez mais pesado no bolso da população. Em 2024, o preço do café moído teve aumento de 40%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Com isso, muitos brasileiros estão parando de tomar café, por estar se tornando um produto caro.

De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), o preço médio do grão nos mercados em 2024 passou de R$ 29,62 para R$ 42,65. Em janeiro de 2025, o valor já chegou a R$ 56,07, um acréscimo de 30% em relação a dezembro do ano anterior. A previsão da ABIC é que os primeiros meses de 2025 irão continuar a apresentar reajustes, estimados entre 10% a 15%.

Fonte: Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC)

Elaboração: Luisa Andrade Ferreira

O economista Ricardo Paixão aponta que o valor do café deve demorar cerca de dois anos para se regularizar e voltar ao que era antes, graças à dinâmica da produção agrícola. “Enquanto o timing do mercado industrial é muito mais rápido para a recuperação, o mercado agrícola demora um pouco mais”, destaca. A produção dos frutos de café dura aproximadamente dois anos e meio após o plantio, o que causa essa melhora tardia. Em contrapartida, o especialista em café Raul Guizellini argumenta que, depois que o produtor passa a cobrar um preço mais alto, dificilmente ele irá voltar a baixar o valor. “A gente vai entrar nesse patamar e vai ficar”, declara.

Aumento do câmbio e da exportação

O encarecimento do café nesse período apresenta diversas causas, incluindo a instabilidade climática, o crescimento da exportação e a incerteza do potencial produtivo. Paixão cita que a amplificação da taxa de câmbio, por exemplo, afetou fortemente o preço do grão. O economista explica que a valorização da moeda estrangeira “intensifica as exportações do produto, desabastecendo o mercado interno brasileiro. A oferta diminui ainda mais, e isso faz com que os preços se elevem muito.”

Dados da ABIC indicam que, apenas nos primeiros quinze dias úteis de dezembro de 2024, foi exportada uma média diária de 470,6 toneladas de café torrado, extratos, essências e concentrados de café, representando uma alta de 40,4% quando comparada com dezembro do ano anterior. Conforme o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), de janeiro a novembro de 2024 foram exportadas 46,7 milhões de sacas de 60kg de café, registrando um aumento de 34% em relação ao mesmo período de 2023. Esse foi o maior volume exportado pelo Brasil em um único ano, mesmo sem contar com dezembro. Como a maior parte do café nacional está sendo exportada, há menos café disponível para a venda dentro do Brasil, o que faz com que ele fique mais caro.

Produção vietnamita

A queda no rendimento do café vietnamita é outro fator que contribuiu para o valor do produto brasileiro. O Vietnã é o segundo maior produtor de café no mundo, com cerca de 16% da produção total, atrás apenas do Brasil. Os problemas climáticos no país asiático nos últimos ciclos produtivos limitou sua produtividade, atrasando a colheita e reduzindo os estoques, de acordo com pesquisas da ABIC. Com isso, as exportações caíram 17,2% em 2024. Assim, como o Vietnã não teve mais capacidade de exportar o grão, o Brasil o substituiu parcialmente nesse mercado, intensificando mais ainda o comércio global.

Consumo chinês 

Outro país que afetou a cafeicultura nacional foi a China. Os chineses passaram a consumir mais café cotidianamente no lugar do chá, aumentando a demanda do produto. Segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), o consumo de café até 2009, na China, era de 300 mil sacas de 60kg por ano; em 2024, chegou a 6 milhões. Além disso, a exportação do produto para o país asiático cresceu 275% em relação a 2022, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), passando   da posição de 20º para o 6º país que mais importa café brasileiro. O especialista Guizellini salienta que esse incremento do consumo na China irá fazer com que falte café no mercado nacional. “A produção de antes já era toda consumida. Com a China entrando no jogo, vai faltar café”, aposta o especialista.

Problemas logísticos 

A logística é outro aspecto que causou tamanha alteração no valor do café. Guizellini relata que o mundo se encontra em uma crise logística iniciada na época da pandemia que perdura até hoje. Como as exportações em 2020 foram restritas graças à Covid-19, não houve grande movimentação de contêineres. Quando o mercado reabriu, a demanda pelo produto cresceu e a oferta diminuiu, levando à escassez de contêineres e à limitação das exportações novamente. Outro fator logístico que o especialista menciona é a pirataria existente na região do Mar Vermelho. “Além de estar demorando muito para passar no Canal de Suez, há um risco muito grande, porque ali é um dos lugares que mais têm pirataria no mundo”, afirma. Com isso, há necessidade de investir em escolta armada, gerando ainda mais gastos para o transporte cafeeiro.

Mudanças climáticas 

O clima também é um dos principais fatores que levaram à variação do preço do café. Como é um produto agrícola, ele é extremamente sensível em relação à variação de temperatura, umidade, luminosidade e muito mais. Guizellini reforça que a geada forte e fria de 2021, seguida da seca de 2022 a 2024, prejudicou a cafeicultura no Brasil. As altas temperaturas contribuíram para a redução da quantidade e da qualidade da produção, o desequilíbrio de pragas na plantação e a necessidade de maior irrigação. Dessa maneira, a produção cai e os custos com a manutenção da lavoura aumentam, causando a chamada inflação climática.

Maior valor de produção 

Levando em consideração os motivos que causaram a redução da produção e a expansão da exportação, os produtores foram forçados a elevar o valor da safra, para que não houvesse prejuízo nas vendas no mercado interno brasileiro. Dados do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) indicam o preço que os produtores do Espírito Santo receberam a cada saca de 60kg de café vendidos em 2024: pelo Café Arábica T6, receberam em dezembro 197% a mais do que em janeiro; pelo Arábica T7, 208%; e pelo Conilon T7, 225%. Se os produtores cobram mais, esse aumento é repassado para os consumidores.

Fonte: Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper)

Elaboração: Luisa Andrade Ferreira

Queda da qualidade

Além da elevação do preço do café em todo o Brasil, especialistas apontam para uma redução qualitativa em uma escala mundial, causada pelo aquecimento global. Os cafés de maior qualidade, chamados cafés especiais, estão ficando mais raros no mercado, já que eles são geralmente plantados em regiões mais amenas e de maior altitude. Contudo, com o aumento das temperaturas em regiões serranas e montanhosas, a produção cafeeira está sendo prejudicada. “Se a gente tinha 100 microlotes muito bons no Espírito Santo, agora a gente está tendo 60”, compara Guizellini.

Com a atenuação da qualidade, foi criada uma categoria nova de café, chamada especial de entrada, que busca  aproximar o café especial do café tradicional consumido em supermercados, com um valor reduzido em comparação ao especial. A partir disso, Guizellini reitera que a tendência é que o público geral busque um café de ainda menor qualidade nos mercados. “No supermercado, a disputa é pelo preço, e o consumidor não está disposto a pagar mais de R$ 50 em um café”, explica. Se o cliente não paga um valor maior, o que resta aos produtores é baixar a qualidade do produto.

Em contrapartida, tal cenário gera uma oportunidade maior para empresas que focam em qualidade destacarem-se no mercado. O especialista é um exemplo disso: enquanto o café especial de sua cafeteria, Terrafé, passou de R$ 40 para R$ 60, ele introduziu uma linha de especiais de entrada, com o valor aproximado de R$ 45. O intuito de Guizellini é tornar acessível o consumo do produto de qualidade, buscando atender ao público.

Impacto na população

Os aspectos que levaram ao aumento do preço do café impactaram fortemente a  população brasileira, principalmente o segmento mais pobre. Na internet,  é possível encontrar vídeos passando o mesmo pó de café duas vezes, colocando mais água para aproveitar mais a bebida ou simplesmente começando a beber chá. “Essas pessoas, por terem uma renda bem pequena, dificilmente vão continuar consumindo café na mesma intensidade”, relata o economista Ricardo Paixão. 

Entretanto, a população de menor condição financeira não é a única afetada por essa mudança de valor. A tendência da classe média é continuar comprando, mas com menos frequência. Paixão reforça que, como o produto faz parte da cultura do Brasil, é difícil ficar sem consumi-lo. A classe alta, em contrapartida, não é tão impactada pelo crescimento do preço, e tende a não renunciar ao consumo do café diário. O máximo que pode acontecer, segundo Raul Guizellini, é essa parcela deixar de tomar o especial e passar a comprar cafés de menor qualidade, ou comprar o mais básico em supermercados e tomar o especial em cafeterias.

Guizellini destaca que, em momentos de inflação como esse, a desigualdade social é intensificada, e quem sofre mais com isso são as pessoas mais carentes. “Vai continuar havendo dois mundos. A classe média sofre e o rico continua rico”, critica. Da mesma forma, Paixão não acredita que o café irá desaparecer da mesa da população, e que a tendência é de  trocas por produtos de preço mais baixos. “O café não é um produto único que atende a todas as classes. Ele tem vários tipos e tem várias especificações que atendem públicos diferentes”, conclui.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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