Efeitos econômicos das bets

Diante dos efeitos negativos provocados pelo mercado de apostas ao país, como o uso dos recursos do Bolsa Família e o aumento da inadimplência entre os mais pobres, surge a pergunta:  a alternativa será a regulamentação ou o banimento

No mundo dos esportes, avaliar cenários e apostar segundo as probabilidades é uma experiência comum e, hoje em dia, capitalizada a partir das casas de apostas on-line, mais conhecidas como “bets” (no inglês, bet significa apostar). No Brasil, desde a legalização da atividade, em 2018, o mercado de apostas vem crescendo e ganhando relevância econômica, com patrocínios a canais de televisão, jornalistas, influenciadores e clubes esportivos. Contudo, apesar dos benefícios a esses segmentos, pesquisas recentes sugerem que, diferentemente de cassinos físicos, as apostas pela internet não geram retornos econômicos à sociedade como um todo. Ao que tudo indica, elas retiram capital da economia produtiva e reduzem o poder de compra dos estratos mais vulneráveis da população. 

Seguindo a tendência internacional, a exploração comercial de apostas de quota fixa foi finalmente legalizada no país após a sanção da Lei 13.756/2018. A lei também determinou que a atividade deveria ser regulamentada posteriormente, o que acabou acontecendo somente no final de 2023. Conhecida como Lei das Bets, a Lei 14.790/2023 estabeleceu normas tributárias e medidas de proteção ao consumidor, além de legalizar a operação de cassinos on-line. Atualmente, segundo dados do Banco Mundial, o Brasil lidera o ranking em número de acessos aos sites de bets.

O primeiro impacto negativo na economia brasileira foi sentido pelos setores de comércio e serviços. Segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), em 2024, o varejo brasileiro teria perdido 90 bilhões em faturamento, devido ao deslocamento de demanda deste setor para os jogos de apostas. Esse número também significa uma perda de 5 bilhões em arrecadação federal, uma vez que, explica o economista e professor, Moisés Brasil, o risco de evasão fiscal por parte das casas de apostas é altíssimo, 

Hoje, segundo a Lei das Bets, a competência para regular o mercado de apostas e cassinos virtuais é do Ministério da Fazenda. Sob pedido do senador Omar Aziz (PSD-AM), o Banco Central (BC) foi provocado a desenvolver um estudo sobre o impacto das bets e auxiliar o desenvolvimento de políticas pelo Ministério. A autarquia descobriu que, de janeiro a agosto deste ano, beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 10,51 bilhões via Pix em apostas, com uma média de 147 reais por pessoa. Essa má utilização do dinheiro público, aponta Moisés, pode ser impedida pelo próprio Bacen. “Hoje, todas as transações via Pix passam pelo sistema do Banco Central. No caso do Bolsa Família, é possível estabelecer um certo limite que pode ser gasto nessas casas”, explica.

De acordo com a autoridade financeira, as empresas retêm cerca de 15% do valor apostado; já segundo pesquisa encomendada pelo Banco Itaú, para cada 3 reais apostados, o apostador perde 1 real, resultando em, aproximadamente, 33,34% de perda do valor apostado. Apesar dos resultados diferentes, ambas as pesquisas indicam que apostas não devem ser encaradas como estratégia para o enriquecimento a  longo prazo.

Outro dado que indica a insustentabilidade do hábito de apostar é o aumento do endividamento nos últimos meses. Ainda segundo a CNC, 1,3 milhão de consumidores teriam ficado inadimplentes no mesmo período em que se registrou um aumento de renda, em especial na faixa até três salários mínimos. A confederação sustenta que, ao invés de poupar ou gastar no varejo, parte dessas famílias estão empregando uma parcela considerável da renda e do crédito disponível no mercado de apostas. 

Para o assessor de investimentos da corretora Valor, Murilo Marques, a longo prazo, a alta na inadimplência pode impactar no hábito de consumo, diminuindo a capacidade de financiamento da economia. “Se os recursos que seriam utilizados para consumo são gastos em apostas, as empresas, que geram empregos para lidar com o crescimento de produção, recebem menos incentivos para isso, diminuindo a renda disponível e, consequentemente, o investimento na economia”, explica.

Face aos efeitos relacionados a esse mercado, surge o debate sobre a eficiência da regulamentação imposta pelo Governo Federal. Em outubro, durante entrevista à rádio Metrópole, da Bahia, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mencionou que pode proibir a atividade no país se as medidas do governo “não derem conta”. Segundo Marques, é necessário que o poder público tome cuidado se quiser jogar todo um setor na ilegalidade. “Na economia, a proposta de uma solução para um problema pode gerar efeitos contrários ao que se esperava inicialmente”, pondera o assessor.

Pelo lado da iniciativa privada, uma das soluções aventadas por associações setoriais é a legalização de cassinos físicos. Entretanto, na opinião de Murilo, algumas implicações sociais causadas pelas apostas também podem se manifestar na atividade presencial, “uma vez que a atividade da aposta, física ou virtual, gera efeitos psicológicos parecidos, o que poderia acarretar as mesmas implicações”.

Já Moisés Brasil considera que pode haver efeitos econômicos positivos na liberação de cassinos presenciais, mas não descarta a continuidade de alguns efeitos já observados atualmente. “Existem efeitos diversos. Os efeitos positivos são a geração de receita para o governo e a criação de empregos diretos e indiretos. Quanto aos efeitos negativos, há o endividamento, problemas de relacionamento causados pelo vício, o que gera sobrecarga em serviços sociais e de saúde”, conclui.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

Contato