Estudantes enfrentam desafios com a falta de moradia estudantil. Ufes busca alternativas
Com a aproximação do fim do ano, os campi de Goiabeiras e Maruípe, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), começam a se esvaziar. Mais um ano se encerra, e o problema persiste: a ausência de alojamentos e a insuficiência dos auxílios estudantis. Assim, muitos alunos retornam às suas cidades de origem ou enfrentam jornadas de trabalho mais longas durante o recesso para reduzir ou cobrir os custos com moradia.
Desde o segundo semestre de 2022, a Resolução n.º 19/2022 – CUn/Ufes instituiu o Auxílio Permanência Unificado, reestruturando os auxílios anteriores com valores mais elevados, definidos a partir de indicadores sociais. O programa integra modalidades de apoio que incluem auxílio pecuniário direto para despesas como moradia, transporte e material didático, além de auxílio indireto, como o acesso gratuito ao Restaurante Universitário (RU), e benefícios não pecuniários, como o empréstimo estendido de livros. O auxílio pecuniário direto é o valor em dinheiro pago ao aluno, enquanto o indireto oferece benefícios e serviços sem repasse de dinheiro.
Os valores são organizados em quatro faixas, conforme a Resolução nº 20/2022, do Conselho Universitário. Na faixa um, o estudante recebe 550 reais, acesso ao RU e o empréstimo estendido de livros. A faixa dois oferece 375 reais com os mesmos benefícios adicionais. Já a faixa três garante 200 reais, acesso ao RU e empréstimo estendido de livros, enquanto a faixa quatro contempla apenas o auxílio-alimentação (RU gratuito) e o empréstimo estendido de livros.
Recentemente, um relatório da Diretoria de Assistência Estudantil, com base em informações do Portal da Assistência Estudantil (ae.ufes.br), coletadas entre 7 de agosto de 2023 e 1º de março de 2024, apresentou o perfil dos cadastrados no Programa de Assistência Estudantil. Os dados indicaram que 9% dos inscritos no campus de Goiabeiras são oriundos de outros estados. No campus de Maruípe, esse percentual é de 10%, enquanto em São Mateus chega a 17% e em Alegre, a 22%.
A estudante de psicologia, Donia Correus, que deixou Manaus para estudar na Ufes, chegou à universidade acreditando que receberia um auxílio estudantil de 550 reais. No entanto, após análise, foi aprovada apenas para a faixa dois do benefício unificado, recebendo 375 reais mensais. Essa situação a levou a dividir um quarto alugado em Maruípe, no valor de 600 reais, consumindo todo o seu auxílio e obrigando-a a caminhar diariamente entre os campi por falta de recursos para transporte.
Com carga horária integral, das 8h às 18h, e disciplinas distribuídas entre os campi, Donia enfrentou obstáculos constantes com os deslocamentos. A distância entre o campus de Maruípe e o campus de Goiabeiras, ambos em Vitória, é de quase quatro quilômetros. “No primeiro período, eu realmente pensei em desistir. Não tinha muito dinheiro, minha família também não, e sobreviver com 375 reais foi muito difícil para mim”, desabafou.
Por não ter tempo para realizar os trabalhos acadêmicos e precisar enfrentar jornadas exaustivas de trabalho, Donia adoeceu mentalmente ao longo do curso. Para ela, tudo está diretamente relacionado às altas despesas com moradia. O constante reajuste dos aluguéis, uma realidade comum para estudantes que alugam quartos ou kitnets próximos à universidade, já a desesperou em diversas ocasiões.
A realidade de Donia não é isolada. A aluna de artes visuais, Ana Júlia Frochlich Montemor, enfrentou dificuldades semelhantes. Residente em Guarapari, a mais de 50 quilômetros do campus de Goiabeiras, ela precisou trancar o curso devido às dificuldades de deslocamento e aos altos custos com transporte. “Chegava em casa à meia-noite, pagava uma van caríssima para estudar, então acabava sendo muito fora da realidade de quem tem que trabalhar e pagar contas. Por isso, pela falta de um lugar para ficar em Vitória, eu acabei trancando o meu curso. Só voltei agora porque estou fazendo estágio e as horas são menores”, explicou.
Ana Júlia acredita que deveria ser uma obrigação da Ufes fornecer moradia estudantil. Ela diz conhecer vários estudantes que vêm de lugares ainda mais distantes do que ela. Por fim, argumenta que há diversos prédios vazios que poderiam ser convertidos em moradia. Porém, infelizmente, pensa que essa questão ainda não está madura e que não há uma verdadeira preocupação com a permanência estudantil dos alunos intermunicipais.
De acordo com os dados da Diretoria de Assistência Estudantil, quase 71% dos estudantes atendidos pelo programa no campus de Goiabeiras são residentes de municípios da região metropolitana, como Vitória, Viana, Guarapari, Serra, Fundão, Cariacica e Vila Velha. Enquanto isso, no campus de Maruípe, 63% dos estudantes são moradores da Região Metropolitana.
O morador de Maria Ortiz, Valdeir Bichi Junior, afirma que, desde 2012, percebe um aumento constante nos custos com aluguel na região próxima à universidade. Para ele, o fato de a área atrair muitos estudantes universitários também encarece o custo de vida da população local. Quando precisa se mudar, já que também paga aluguel, ele enfrenta altos custos, o que impacta diretamente sua renda familiar.
UFES estuda alternativas, mas faltam recursos
Essas dificuldades evidenciam o descompasso entre o valor dos auxílios estudantis e os custos reais de moradia e transporte nas proximidades da universidade. Segundo o Pró-reitor de Assistência Estudantil da Ufes, Antonio Moraes, os programas atuais permitem que os estudantes utilizem os auxílios conforme suas necessidades, seja para aluguel ou formação de repúblicas. No entanto, ele admite que os valores oferecidos estão abaixo do necessário, uma disparidade que agrava a precariedade enfrentada por muitos alunos e gera constantes reclamações.
Em meio a essas adversidades, a universidade montou uma equipe de trabalho para dialogar com a Superintendência do Patrimônio da União (SPU), órgão do governo federal responsável pelos imóveis da União. Esse diálogo com a SPU, visando à troca e cessão de imóveis para a implementação de moradias estudantis em todos os campi, tem sido importante, embora essas negociações ainda devam levar tempo.
O reitor da Ufes, Eustáquio de Castro, participou recentemente de reuniões com o superintendente da Polícia Rodoviária Federal no Espírito Santo, inspetor Wermeson Pestana, e o chefe da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), Philipe Pupo.
A pauta foi a cessão de uma área no centro de Vitória, atualmente usada pela PRF como estacionamento para servidores e visitantes da superintendência. O terreno, de propriedade da Ufes, seria formalmente solicitado pela PRF, enquanto a SPU buscaria um novo imóvel a ser transferido para a universidade, com potencial para abrigar moradia estudantil.
Na ocasião, o reitor destacou a ligação entre a negociação e a demanda histórica por moradia estudantil, já que envolve espaços que a universidade poderá utilizar para atender ao interesse público.
Segundo Antonio Moraes, há várias alternativas para implementar moradias: “Existe o modelo de auxílio direto na conta dos estudantes para alugar ou montar repúblicas; a possibilidade de a universidade alugar moradias prontas; reformas de imóveis cedidos pela SPU; e a construção de novos imóveis”. No entanto, ele ressalta que todas essas opções dependem de recursos.
Além disso, Moraes menciona que, paralelamente a essas discussões, a Propaes trabalha em diversas alternativas, desenvolvidas por uma equipe interna que organiza soluções por prioridade, conforme os recursos disponíveis.
Outra possibilidade de apoio aos estudantes da Ufes, citada pelo pró-reitor de assistência estudantil, é a criação de um programa de moradia estudantil nos moldes do “Minha Casa, Minha Vida”, com apoio do Governo Federal. Em parceria com o Governo Estadual, também poderiam ser implementadas iniciativas de cessão de imóveis.
Moraes ainda lamenta a forma como as prefeituras têm considerado os estudantes universitários, esquecendo que são consumidores das cidades, pagam aluguéis e utilizam seus serviços. Por isso, em sua visão, as prefeituras deveriam facilitar a locação de imóveis, por meio de incentivos fiscais e acordos com as imobiliárias.

No início da gestão, a Reitoria se reuniu com a Superintendência de Patrimônio da União (SPU) para discutir a possibilidade de cessão de imóveis do Governo Federal para adequação e uso como moradia estudantil.