Reflexo nas telas

Como as redes sociais afetam a autoestima de mulheres negras

Ao rolar o feed de uma rede social, mulheres negras se deparam diariamente com imagens que perpetuam um padrão de beleza eurocêntrico. Cabelos lisos e peles claras continuam dominando as telas, enquanto traços afrodescendentes são apagados ou marginalizados. Apesar de avanços na representatividade, a sensação de não pertencimento ainda persiste.

“Ver que as maiores influenciadoras raramente são negras faz com que eu me pergunte se existe espaço para nós”, reflete Ana Beatriz Nascimento, uma mulher negra. A falta de diversidade nas redes reflete estruturas históricas de exclusão, nas quais o padrão eurocêntrico continua a dominar não apenas os ideais estéticos, mas também a distribuição de voz e destaque, silenciando populações marginalizadas nesses espaços.

Segundo um estudo da agência de influência digital BRUNCH, influenciadores brancos fecham 30% mais projetos do que influenciadores não brancos. Sendo assim, como as mulheres negras irão se sentir representadas na internet se as figuras públicas às quais elas deveriam se identificar não estão sendo postas em evidência?

Para a psiquiatra e especialista em neurociência e relações étnico-raciais, Indira Pinto, a falta de representatividade faz com que mulheres tentem mudar características próprias para se aproximarem do padrão estético popular. “É muito comum a queixa de que ‘ainda não foi suficiente’ e ‘não tenho ainda o cabelo com a textura que eu imaginei que fosse ficar’, pontua.

A estudante Vitória dos Reis, que também é uma  mulher negra, teve a mesma experiência. Quando era criança, alisou o cabelo pela primeira vez para ir a um evento e percebeu uma mudança no comportamento das pessoas à sua volta. “Notei como as pessoas me achavam mais bonita”, lembra. Essa experiência, comum a muitas mulheres negras, demonstra como a busca por aceitação social pode levar à rejeição de traços naturais.

Antigamente a falta de representatividade na relação das mulheres com a internet ocorria em um contexto onde o acesso às plataformas digitais era mais limitado e a interação com esses espaços, menos intensa. Essa exclusão da mulher negra, ainda que profundamente enraizada no racismo estrutural e nos padrões eurocêntricos de beleza, era mais fácil de evitar devido à menor imersão digital e à ausência de redes sociais capazes de amplificar discursos e imagens de maneira tão invasiva. “O racismo estava presente, sempre esteve, mas não era nomeado como tal”, ressalta Indira.

Contudo, o avanço da tecnologia e a popularização das redes sociais tornaram quase impossível se manter afastada desse ambiente. A internet transformou-se em um espaço onde a luta por representatividade é inevitável, mas também repleto de desafios, já que discursos excludentes continuam em predominância mesmo em um cenário de maior conscientização e questionamento social.

Uma pesquisa da UFRJ, realizada em 2023 por estudantes de Publicidade e Propaganda, revela que 90% de 519 mulheres entrevistadas se sentem desconfortáveis com as imagens perfeitas que veem no Instagram. O estudo expõe um problema que atravessa questões raciais e afeta mulheres de todas as cores. Isso sugere que o impacto dos padrões irreais de beleza promovidos pelas redes sociais é universal, criando um ambiente digital onde a pressão pela perfeição afeta a autoestima de forma ampla. No entanto, esse dado também levanta um questionamento: se mulheres de diferentes origens já se sentem desconfortáveis, como esse impacto pode ser ainda mais profundo para aquelas que enfrentam não apenas os padrões inatingíveis, mas também a exclusão representativa, como é o caso de mulheres negras? Essa reflexão ressalta a necessidade de se pensar em estratégias que promovam uma representatividade mais diversa e genuína, desafiando as narrativas de perfeição homogênea que dominam as plataformas digitais.

As redes sociais, por terem a capacidade de amplificar discursos e criar comunidades, têm um papel ambivalente: ao mesmo tempo que perpetuam padrões de beleza excludentes, também podem ser um espaço de luta e afirmação identitária. “A valorização da beleza negra está em crescimento, mas ainda privilegia traços mais brancos. Estamos em processo, mas a luta é longa”, conclui Indira.

Entre o scroll e o espelho, mulheres negras seguem refletindo sobre quem são e quem desejam ser. As redes, com todo o seu poder, ainda têm muito a caminhar para se tornarem espelhos reais da diversidade que existe fora das telas.

A Primeira Mão é uma revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, totalmente desenvolvida por estudantes, sob orientação de professores. Além de sua versão em PDF, a partir de 2024, a revista também conta com uma versão digital, ampliando seu alcance e acessibilidade. Em 2013, a Primeira Mão foi uma das cinco finalistas da região Sudeste para o prêmio Expocom de melhor revista-laboratório impresso.

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